Dívida Pública e Estabilidade Fiscal no Brasil

 


A Crítica da Dívida Pública Brasileira: O Imperativo do Resultado Primário

A recorrente preocupação sobre se "o Brasil vai quebrar" volta à tona sempre que se discute dívida e gasto público. A quebra de um país, assim como a de uma empresa, ocorre quando não há recursos suficientes para honrar suas obrigações. No contexto governamental, embora despesas diárias (como salários, aluguéis, insumos para saúde e educação) componham os gastos, o principal vetor de colapso para nações e empresas é o gasto com juros sobre o estoque da dívida.

O Peso dos Juros e a Dívida Atual

O Brasil carrega hoje uma dívida equivalente a aproximadamente 78% do Produto Interno Bruto (PIB). Embora este patamar possa parecer baixo quando comparado a economias desenvolvidas como Japão e Estados Unidos, ele é considerado elevado para um país emergente. A dívida total brasileira está na casa dos R$ 8 trilhões. O grande risco não é o tamanho da dívida em si, mas o custo que ela gera: se o juro anual pago for de 10%, são consumidos R$ 800 bilhões do orçamento público, mas se for de 5%, o consumo cai para R$ 400 bilhões.

O tamanho da dívida e a má administração histórica refletem-se, ao longo do tempo, em juros cada vez maiores.

A Lição do Passado: Juros não resolvem problema fiscal

Existe a tentação de culpar a alta taxa de juros pelo grande consumo do orçamento público. Contudo, a história recente do Brasil serve como um alerta contra a tentativa de reduzir os juros de forma forçada para economizar recursos e melhorar o resultado fiscal.

A experiência de 2013 e 2014, quando o país tentou essa estratégia, levou a dois anos consecutivos de queda do PIB em mais de 3%, a maior retração em 100 anos fora de um contexto de guerra. A razão é que a taxa de juros não tem como função resolver problemas fiscais; ela existe para controlar a inflação. Usar a taxa de juros como política fiscal leva à disparada da inflação (que chegou a ultrapassar 10% acumulados em 12 meses em 2015), o que desestimula o consumo, a produção e o investimento, prejudicando a atividade econômica.

O Caminho Necessário: Foco no Resultado Primário

Se a redução forçada dos juros não é a solução, a única forma de resolver o alto nível de endividamento e, consequentemente, reduzir o gasto com juros, é a redução da dívida pública. O único ponto em que o governo tem controle direto é o tamanho da dívida, ao contrário do PIB, que é resultado de uma conjuntura de políticas econômicas e da economia global.

A ferramenta crucial para reduzir a dívida é o resultado primário. O resultado primário é a diferença entre o que o governo arrecada em impostos (o Brasil tem uma carga tributária compatível com países desenvolvidos da OCDE, de cerca de 33% do PIB) e o que ele gasta. Um resultado primário positivo (superávit) permite que o governo use o valor economizado para diminuir a dívida, reduzindo o patamar de juros pagos. A maneira correta de diminuir o endividamento público é, portanto, focar em fazer um bom resultado primário.

As Metas Atuais e o Risco de Instabilidade

Apesar da necessidade de um superávit para estabilizar a dívida, as metas fiscais atuais levantam preocupações. Para 2025, a meta de resultado primário é de 0% do PIB. Se o resultado primário é zero, significa que não há dinheiro sobrando para abater a dívida, que, por sua vez, continua aumentando ano a ano por conta dos juros que estão sendo pagos.

Economistas estimam que, para estabilizar a dívida pública brasileira (mantendo-a no nível atual de 78% do PIB), seria necessário um resultado primário de 2,34% do PIB. Isso é calculado com base na dívida (78%), na taxa de juro real (média de 5%) e no crescimento potencial da economia (média de 2%).

No entanto, as metas propostas pelo arcabouço fiscal são significativamente menores: 0,25% do PIB em 2026; 0,5% em 2027; 1% em 2028; e 1,25% em 2029. Nenhuma destas metas se aproxima do necessário para estabilizar a dívida. A consequência é que a expectativa dos especialistas é que o endividamento público se aproxime de 90% a 100% do PIB em 10 anos.

Além disso, a seriedade da gestão fiscal é questionada quando há tentativas de retirar gastos, como precatórios, do cálculo da meta primária. Tais manobras não impedem que o dinheiro saia do cofre público, contribuindo para o aumento da dívida.

Conclusão Reflexiva

Se o Brasil continuar com metas fiscais insustentáveis, a situação se tornará "cada vez mais complexa". O ponto de maior complexidade começa quando a dívida/PIB ultrapassa 90%.

O país precisa de um governo sério, comprometido em entregar um resultado primário robusto, que se aproxime ou supere os 2% do PIB. O Brasil já conseguiu alcançar esse patamar antes de 2013. A retomada desse nível de responsabilidade fiscal é a chave para estabilizar e, idealmente, reduzir o endividamento público, pondo fim ao constante "barulho" sobre o problema fiscal. Embora o Brasil não deva quebrar no curto prazo, a falta de ação séria sobre o endividamento tornará a situação insustentável no futuro.

Imagine a dívida pública como uma bola de neve descendo uma montanha: o resultado primário positivo é a única pá que o governo possui para remover a neve e reduzir o tamanho da bola antes que ela atinja o vale. Se a pá não é utilizada com força suficiente (metas muito baixas), a bola continua crescendo, impulsionada pelos juros, e o eventual impacto será inevitável.