Luiz César: A Arquitetura do Mercado Financeiro

 


Reflexões sobre a Lenda: A Trajetória de Luiz César e a Cultura do Mercado Financeiro Brasileiro

O vídeo que narra a jornada de Luiz César, co-fundador do Banco Garantia e fundador do Pactual (que se tornaria BTG Pactual), oferece um panorama rico e detalhado sobre a mentalidade, a determinação e a agilidade necessárias para moldar o mercado financeiro brasileiro. A história de um office boy do Bradesco que ascendeu a banqueiro é, em essência, uma reflexão sobre a importância do conhecimento prático, da inovação constante e da seleção rigorosa de talentos.

A Raiz do Conhecimento e a Busca pela Direção

A trajetória de Luiz César demonstra que o sucesso não adveio da riqueza familiar, mas sim de uma determinação implacável. Aos 14 anos, ele já cultivava o sonho de ser diretor de banco. Para alcançar isso, ele se dedicou a aprender tudo sobre a operação de uma empresa, trabalhando 13 a 14 horas por dia.

Esse período formativo, no qual aprendeu contabilidade, livros fiscais e trabalhistas, proporcionou um conhecimento de A a Z de um banco, desde a agência até a matriz. Tal domínio prático lhe deu uma vantagem crucial: enquanto outros egressos de faculdades entendiam de teoria, ele entendia das "raízes de banco". Foi esse conhecimento que lhe permitiu, no Garantia, inventar a operação "Cheque BB" (cobertura de caixa dos bancos), pois ele compreendia os mecanismos da compensação que ninguém mais entendia.

Inovação, Agilidade e Visão Estratégica

A história dos bancos Garantia e Pactual é marcada pela inovação e por uma rentabilidade impressionante: nunca menos de 100% sobre o dólar antes da saída de Luiz César. Essa performance atraía grandes investidores, como George Soros e Mike Mill, que aplicaram bilhões de dólares.

A capacidade de inovar e reagir rapidamente era fundamental, visto que o mercado financeiro "vive de crise todo dia".

  1. Antecipação do Risco (Plano Collor): A antecipação do confisco da poupança durante o Plano Collor foi um momento definidor. Baseados na teoria econômica do pessoal de Campinas, que percebeu o risco de confisco, o Pactual foi o único a não ter dinheiro confiscado (nem próprio, nem de clientes). Eles converteram todo o capital em recebíveis em dólar de exportação (especificamente da Aracruz Celulosa). Isso lhes garantiu liquidez em um momento de crise, elevando o patrimônio sob gestão de $6 bilhões para $20-25 bilhões em pouco tempo, devido à confiança que geraram.
  2. Oportunidades de Valuation: A compra das ações da Telebrás é um exemplo de raciocínio lógico em finanças. Ao comparar a Telebrás, que estava a $59, com a Telmex (equivalente no México) que estava a $7, e empresas europeias e americanas que estavam a $70 ou $90, Luiz César e sua equipe concluíram que o papel brasileiro estava absurdamente barato. Essa operação resultou em um lucro de mais de 1.000% sobre o dólar.
  3. Criação de Estruturas: A necessidade de agilidade na liquidação de títulos levou à criação da CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos), que se tornou uma cópia fiel da SELIC, mas para títulos privados. A ideia surgiu porque, na época, o Banco Central não tinha dinheiro para comprar computadores, obrigando o mercado a custear a infraestrutura e os desenvolvedores.

A Arte de Selecionar Pessoas e o Conceito de Partnership

Luiz César considera que o maior segredo do Garantia e do Pactual foi a contratação. Ele priorizava três pilares: a integridade da pessoa, o prazer/diversão em fazer o trabalho, e a agilidade mental e o raciocínio lógico.

O raciocínio lógico, segundo ele, não é criado pela matemática, mas sim pela filosofia e pela leitura dos grandes pensadores.

Seu método de contratação era rigoroso: ele entrevistava 90% dos funcionários que entravam. O processo incluía uma triagem de grupo e, se o candidato passasse, ele era entrevistado pessoalmente. Qualquer um do time de entrevistadores podia vetar o candidato sem precisar justificar. As entrevistas eram projetadas para verificar a capacidade do indivíduo de reagir sob crise, inclusive com perguntas consideradas impossíveis de fazer hoje (como sobre a vida pessoal).

Entre os talentos que ele contratou estavam Marcelo Kalim e Beto Sicupira no Garantia, e André Esteves no Pactual. Esteves, inicialmente contratado como programador para desenvolver sistemas em Apple II, demonstrou tanta inteligência e aplicação que rapidamente se tornou trader e, posteriormente, sócio.

No contexto de partnership, Luiz César critica o modelo em que a maioria das ações é retida, e apenas pequenos percentuais são dados aos funcionários. Para ele, o importante é o poder político e a participação acionária de voto. Se um sócio não podia competir com a liderança existente (como no Garantia), a solução era fundar o próprio banco onde ele teria poder de comando.

O Legado e o Futuro

Luiz César resume sua vida profissional dizendo que nunca planejou grandes feitos, apenas aproveitou as ondas e surfou nelas. Ele fez tudo "com prazer e felicidade, até quando perdi dinheiro".

Seu legado no mercado financeiro é vasto, sendo a cultura e o networking do Pactual a fonte de 70% de todo o mercado financeiro atual.

Atualmente, ele busca remontar a ideia de um banco de investimento e está tentando comprar um banco existente, formando um novo partnership, com o objetivo de criar o único competidor que não existe para o BTG Pactual.

Analogia para Raciocínio Lógico: O tipo de agilidade mental e raciocínio lógico exigido no mercado financeiro, como descrito por Luiz César, é como um mestre de xadrez em uma partida de xadrez relâmpago (blitz). Ele não pode calcular cada movimento do zero; ele deve ter internalizado padrões complexos (a filosofia) para que a resposta correta (a jogada) seja quase intuitiva em uma fração de segundo. Sem essa intuição baseada em conhecimento sólido, a negociação (ou a conta) desmorona.