A Diversidade Conceitual do Pós-Vida: Uma Análise dos "Quatro Infernos" da Bíblia
O termo "inferno" não estava presente originalmente nos textos hebraicos do Antigo Testamento nem nos textos gregos do Novo Testamento; ele deriva do latim (infernos ou inferos), que se refere a "regiões inferiores". Consequentemente, a Bíblia não apresenta um conceito único e coeso de submundo ou punição pós-morte. Em vez disso, encontramos uma diversidade de concepções que evoluem ao longo do tempo e entre diferentes textos.
A análise dessas diferentes ideias revela quatro palavras principais – Sheol, Hades, Geena e Tártaro – que, embora frequentemente traduzidas como "inferno", carregam conceitos e funções distintas, refletindo um amplo repertório de imagens teológicas e éticas.
1. Sheol: A Casa do Não Retorno (Antigo Testamento)
Cronologicamente, o Sheol (termo hebraico) é o ponto de partida. É imaginado como uma região sombria, apagada e subterrânea, onde a continuidade da vida é espectral.
O aspecto mais crucial do Sheol é sua indistinção: é o destino comum para todas as pessoas, sejam elas justas (como o patriarca Jacó e seu filho José) ou injustas (como Coré e seus seguidores, que foram punidos por Deus).
As concepções do Sheol são marcadas pela ausência de retorno e retribuição. Quem desce ao Sheol jamais subirá. Os mortos não sabem nada, e sua lembrança, amor, ódio e ciúme pereceram. É comparado a uma sepultura.
Embora fosse proibido, alguns textos bíblicos sugerem que os espíritos no Sheol persistem de alguma forma e podem ser consultados, como no episódio em que o Rei Saul invoca o profeta Samuel (que é chamado de Elohim, um morto divinizado).
Posteriormente, a ideia do Sheol começou a ser desafiada. Textos mais tardios, como o Livro de Daniel, já introduzem a noção de ressurreição — alguns acordarão para a vida eterna, e outros para a condenação.
2. Hades: O Submundo Grego e o Tormento
A palavra Hades (termo grego) foi usada na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) para verter o termo Sheol. Embora compartilhe essa raiz linguística, no Novo Testamento, o conceito de Hades se elabora de forma diferente.
Enquanto o Sheol era um destino indiferenciado, o Hades no Novo Testamento pode ser um lugar de tormentos e punição, indicando uma diferenciação no pós-vida. Um exemplo claro é a parábola (ou história) do rico e do pobre Lázaro: Lázaro vai para o "seio de Abraão" (um lugar favorável), e o rico, que era mesquinho, vai para o Hades, onde sofre com chamas e sede.
No cenário escatológico do Apocalipse, o Hades e a Morte em si são lançados no Lago de Fogo. Esta "segunda morte" sugere que os que não estão inscritos no Livro da Vida serão aniquilados, em vez de submetidos a um suplício eterno consciente.
3. Geena: A Condenação Definitiva
A Geena (termo aramaico/grego) deriva do hebraico Gê Ben Hinnom (Vale do Filho de Hinom), um vale perto de Jerusalém.
Nos tempos proféticos (Livro de Jeremias), este local era infame, pois ali haviam sido construídos lugares de culto onde os judeus pecadores chegaram a queimar seus filhos e filhas. Jeremias profetizou que, devido à iniquidade, o vale se tornaria o "vale da matança," onde os cadáveres seriam expostos, sem sepultamento adequado, e serviriam de alimento para animais e aves carniceiras — uma humilhação terrível e vergonhosa.
Jesus, ao falar da Geena, recupera e ressignifica essa imagem de punição definitiva e vergonha, combinando-a com outra imagem profética de Isaías: o fogo inextinguível e o verme que não morre. A Geena é apresentada como o destino para aqueles que tropeçam e não fazem o sacrifício moral necessário para entrar na "vida" ou no "reino de Deus".
A Geena, portanto, simboliza a punição definitiva e irrecuperável. O fogo e o verme não são necessariamente descrições literais, mas formas poéticas de expressar um castigo sem volta.
4. Tártaro: A Prisão dos Anjos
O Tártaro (termo grego) é um conceito mitológico grego de um calabouço subterrâneo e prisão para seres que se rebelaram contra os deuses, como os Titãs.
Este termo aparece apenas uma vez no Novo Testamento, na Segunda Carta de Pedro. Ele descreve o local onde Deus lançou os anjos que pecaram.
Para entender essa passagem, é necessário recorrer a textos não-canônicos que circulavam no judaísmo apocalíptico, como o Livro de Enoque. Segundo essa literatura, anjos conhecidos como "Vigilantes" desceram, acasalaram-se com mulheres humanas e foram punidos por essa rebelião sendo acorrentados em um abismo/prisão até o Dia do Julgamento.
O autor de 2 Pedro escolheu a palavra Tártaro por sua proximidade conceitual com a ideia de uma prisão para seres sobre-humanos rebeldes (Titãs na mitologia, Vigilantes na tradição enoquiana), mostrando a influência do imaginário apocalíptico e cultural na formação das ideias bíblicas sobre o castigo.
Curiosamente, o Evangelho de Mateus (capítulo 25) sugere que o "fogo eterno" para os pecadores humanos foi originalmente preparado para o Diabo e seus anjos, aludindo a essa mesma ideia enoquiana de um compartimento de punição destinado primeiramente a seres celestiais caídos.
Conclusão Reflexiva
A jornada através de Sheol, Hades, Geena e Tártaro demonstra que as Escrituras contêm uma diversidade de imagens sobre o mundo dos mortos, que se transformaram significativamente, passando de um submundo sombrio e neut-vida, mas sim comunicar uma mensagem teológica, ética ou moral sobre as consequências da conduta humana e a soberania divina. A evolução dos conceitos, influenciada por literaturas apocalípticas e mitológicas, reflete o esforço dos autores bíblicos em expressar suas crenças sobre o destino final dos justos e injustos.