Como Uma Empresa Envenenou o Planeta em Segredo

 



A Dupla Face da Inovação: O Legado dos Químicos Eternos (PFAS)

O percurso do politetrafluoretileno (PTFE), popularmente conhecido como Teflon, é uma fascinante e perturbadora história que ilustra o paradoxo da inovação química: a criação de uma substância aparentemente mágica para resolver um problema de segurança que, inadvertidamente, resultou em uma contaminação planetária massiva por "químicos eternos" (PFAS).

A narrativa começa em 1929, quando geladeiras que utilizavam gases tóxicos, como o cloreto de metila, causavam mortes misteriosas em Chicago. Em busca de um refrigerante seguro, a empresa DPON iniciou um projeto que levou à descoberta acidental, em 1936, de um pó branco e escorregadio por Roy J. Planket. Este material notável, o Teflon, era virtualmente indestrutível, resistindo a ácidos, bases e solventes.

A Ciência da Indestrutibilidade e o Início da Contaminação

A razão para a estabilidade do Teflon reside na ligação carbono-flúor, a ligação simples mais forte que um carbono pode formar. O flúor, sendo o átomo mais ávido por elétrons, atrai fortemente os elétrons do carbono, criando uma atração eletrostática que fortalece a união. Devido a essa capa de ligações carbono-flúor, o Teflon é inerte e mal reage com qualquer coisa.

Essa indestrutibilidade logo se provou valiosa. O Teflon foi imediatamente utilizado pelo exército dos Estados Unidos no Projeto Manhattan para proteger equipamentos corrosivos do hexafluoreto de urânio gasoso. Posteriormente, foi usado em motores de avião, tanques de combustível, e até mesmo no revestimento da Estátua da Liberdade. Em 1954, a aplicação em utensílios domésticos (panelas antiaderentes) marcou uma revolução na culinária, solidificando o Teflon como um item onipresente em lares americanos.

No entanto, para transformar o gás tetrafluoroetileno (TFE) em Teflon (um polímero) de forma segura e controlada, evitando explosões como a ocorrida em Arlington em 1944, a Dupon precisou de um auxiliar de processamento.

Em 1951, eles adquiriram da 3M um ácido perfluoroctanóico, conhecido como C8 (PFOA). O C8, com sua cauda hidrofóbica e cabeça hidrofílica, funcionava como um sabão, permitindo que o TFE se dispersasse na água, controlando a reação de polimerização. Este "grande combinador" permitiu a criação de revestimentos pulverizáveis, mas marcou o início da crise de saúde.

O C8: Uma Bomba-Relógio Bioacumulativa

Apesar do Teflon em si ser uma molécula longa e inerte (fluoropolímero) que o corpo simplesmente elimina se ingerida, o C8 era profundamente problemático.

Documentos internos da Dupon, que datam de 1961, revelaram que o C8 causava crescimento anormal do fígado em ratos e era letal em doses elevadas. O alarme era ainda maior por dois motivos:

  1. Persistência: Assim como o Teflon, a cauda de ligações carbono-flúor do C8 o torna incrivelmente estável, não se decompondo no ambiente por décadas.
  2. Bioacumulação: O C8 se assemelha aos ácidos graxos essenciais e pode se ligar a proteínas transportadoras no sangue, espalhando-se pelo corpo e se acumulando lentamente, potencialmente perturbando sistemas que regulam funções vitais (como o fígado), caracterizando-o como tóxico, persistente e bioacumulativo.

Estudos internos subsequentes em ratos, cães e macacos confirmaram os efeitos tóxicos em múltiplos sistemas de órgãos. No entanto, essas descobertas não foram compartilhadas com a comunidade científica.

A contaminação não estava limitada aos trabalhadores. A Dupon despejava anualmente cerca de 10 toneladas de C8 no Rio Ohio e acumulava milhares de toneladas em lodo no aterro sanitário ao lado da fazenda de Earl Tenant, na Virgínia Ocidental. O aterro drenava para um córrego, envenenando as vacas de Tenant.

A descoberta da contaminação da população geral ocorreu quando pesquisadores, intrigados pelo aparecimento de flúor orgânico no sangue de americanos em 1975, questionaram a 3M. A 3M inicialmente alegou ignorância, mas logo confirmou que seus produtos químicos estavam contaminando o sangue da população.

A Dupon, que havia determinado internamente um "nível seguro" de 1 parte por bilhão (ppb) para o C8 na água potável, descobriu que o aterro sanitário próximo à fazenda de Tenant estava vazando a 16 ppb. Essa informação foi omitida.

O Legado dos PFAS

O processo judicial movido em nome das 70.000 pessoas expostas ao C8 em Parkersburg levou a um estudo médico de 7 anos. Em 2013, um painel científico independente confirmou uma provável ligação entre o C8 e seis doenças humanas, incluindo doença da tireoide, câncer testicular e câncer renal. Um indivíduo com mais de 30 ppb de C8 no sangue pode ter aproximadamente o dobro do risco de câncer renal em comparação com a média.

A Dupon acabou pagando mais de $600 milhões às vítimas, mas separou seu negócio de Teflon em uma nova empresa, a Chemours. Essa nova empresa substituiu o C8 por uma molécula similar, o C6, batizada de GenX. Embora mais curta, o GenX mostrou-se igualmente problemático, causando os mesmos três tumores em ratos (fígado, testicular e pancreático).

O C8 e o GenX pertencem a uma vasta família de mais de 14.000 produtos químicos sintéticos, todos cobertos por ligações carbono-flúor, conhecidos coletivamente como PFAS. Eles são usados em cosméticos, embalagens de fast food, roupas impermeáveis e espumas de combate a incêndio. Sua onipresença é chocante: foram encontrados em todos os continentes, incluindo a Antártica, e em praticamente todas as criaturas vivas.

A análise de amostras de sangue mostra que 100% dos americanos testados possuem C8 no sangue. No caso de um indivíduo testado, a soma combinada de PFAS atingiu 17,92 ppb, mais que o dobro da mediana dos Estados Unidos.

Reflexão sobre Risco e Regulação

As principais formas de exposição são através de produtos contendo PFAS, alimentos embalados em materiais tratados e, crucialmente, a água. Até mesmo a água da chuva está contaminada globalmente.

Em abril de 2024, a EPA (Agência Ambiental dos EUA) finalmente estabeleceu limites legais rigorosos para PFAS na água potável, reduzindo o nível seguro de C8 (PFOA) de 1 ppb, conforme determinado pela Dupon, para 4 partes por trilhão (ppt). Essa mudança radical — uma gota de PFOA em 5.000 tanques de 2.500 L — demonstra a seriedade da preocupação da comunidade científica.

Para indivíduos preocupados, a prevenção é a única opção, pois não há tratamentos médicos aprovados. Filtros de osmose reversa e carbono ativo granulado são eficazes na remoção de PFAS da água potável. Curiosamente, a doação de sangue ou plasma demonstrou reduzir os níveis de PFAS em até 30% em bombeiros (um grupo de alto risco). Além disso, a menstruação, o parto e a lactação são maneiras pelas quais o PFAS pode deixar o corpo feminino.

A lição fundamental desta história é a necessidade de pesquisa contínua e regulamentação rigorosa. A demanda do consumidor por produtos livres de PFAS já está forçando as empresas a removerem esses químicos. Embora o Teflon e outros PFAS sejam indispensáveis em aplicações críticas (como implantes médicos ou semicondutores para eletrônicos), é essencial que banimentos sejam implementados em usos não essenciais, como cosméticos e embalagens de alimentos, e que a responsabilidade de filtrar os PFAS recaia sobre os fabricantes e não sobre o indivíduo.

Estamos apenas começando a entender a magnitude do problema dos "químicos eternos", mas a conscientização e as escolhas informadas dos consumidores e reguladores são a chave para, novamente, tomar a decisão correta de eliminá-los gradualmente.