O verso “Deitado eternamente em berço esplêndido” é muito mais do que a abertura do Hino Nacional Brasileiro. É uma metáfora poderosa e, talvez, involuntariamente precisa, do estado de letargia em que nossa consciência coletiva parece repousar. O berço esplêndido da natureza exuberante e das potencialidades infinitas tornou-se uma cama confortável da ignorância voluntária, onde nos aninhamos na preguiça de não querer conhecer a fundo a nação que habitamos.
A cada ciclo eleitoral, renovamos a esperança de um "hexa" – seja no futebol, seja na polÃtica – como se a solução para os problemas complexos de uma nação pudesse ser encontrada em 90 minutos de jogo ou em um único evento heroico. Esperamos por um épico, mas nos contentamos com placebos. Cantamos, com vozes muitas vezes vazias, sobre “o sol da liberdade, em raios fúlgidos”, mas quantos de nós paramos para perguntar: o que é “fúlgido”? Que “instante” foi aquele? O que essa “liberdade” significa, de fato, para nós hoje?
A crÃtica não é sobre a incapacidade de decorar uma sequência de palavras complexas. É sobre a renúncia à compreensão. Decoramos com perfeição letras de funk e coreografias do TikTok, algoritmos que nos entregam fragmentos de opinião prontos que repetimos como verdades absolutas, mas negamos ao nosso sÃmbolo nacional mais básico a dignidade de uma simples leitura atenta. O problema não é não saber; é não querer saber.
As escolas, outrora espaços de recitação semanal e de transmissão (mesmo que mecânica) desses sÃmbolos, abandonaram a prática, muitas vezes por um debate mal resolvido entre patriotismo cego e uma rejeição total ao passado. O resultado é uma geração que não consegue distinguir o Hino Nacional de um slogan publicitário. Como podemos exigir grandeza de um povo que não compreende a narrativa de coragem, luta e esperança que seu próprio hino conta?
Este não é um discurso nacionalista ufanista. É um alerta sobre a orfandade histórica. Um paÃs que não conhece sua história é um barco à deriva, fácil de ser capturado por qualquer vento de narrativa sedutora. Saber a data exata da Constituição ou o nome de todos os presidentes não tornará ninguém mais rico, mas compreender os contextos das duas ditaduras que vivemos, os erros e acertos de nossas lideranças, nos imuniza contra a repetição de tragédias.
A ignorância histórica nos torna leves, manipuláveis e pobres de espÃrito. Celebramos mais um feriado prolongado do que a luta de Tiradentes. Admiramos mais a invenção de Santos Dumont quando estampada em uma grife europeia do que pelo seu feito revolucionário. Conhecemos mais os personagens da televisão do que os heróis nacionais que moldaram o território e as instituições que, mal ou bem, nos sustentam.
A verdade é dura: não há progresso onde se despreza a própria origem. A inflação alta e a dÃvida pública recorde são sintomas de uma crise muito mais profunda: a crise de identidade. Somos uma nação sem raÃzes firmes, e por isso, balançamos com qualquer tempestade, fácil presa de promessas vazias, teorias da conspiração e soluções mágicas.
O Hino Nacional é um portal. Ao aprender seu significado, palavra por palavra, nos conectamos com a poesia de uma projeto de nação. Entendemos que a “clava forte” se ergue em defesa da justiça, que ser “gigante pela própria natureza” é tanto uma bênção quanto uma responsabilidade, e que o “futuro espelha essa grandeza” apenas se nós, filhos deste solo, a construirmos.
Portanto, antes de querer mudar o Brasil, antes de criticar, antes de esperar por um salvador, faça um exercÃcio de humildade cÃvica: aprenda o hino. Recite-o. Compreenda o peso de cada palavra. Ensine a uma criança. Honre a luta que cada verso representa.
Não por obrigação ou por um patriotismo vazio, mas porque o conhecimento liberta. E a primeira liberdade é a de entender a pátria da qual se deseja ser dono. O Brasil do futuro não nascerá de um berço esplêndido, mas da vontade fúlgida de um povo que, finalmente, decidiu acordar e entender a letra da própria história.
“Brasil, um sonho intenso, um raio vÃvido
De amor e de esperança à terra desce…”
Que esse sonho deixe de ser adormecido e se torne, pela nossa ação consciente, uma realidade.
Alex Rudson