A narrativa da crise hídrica no Irã, conforme apresentada nas fontes, é um estudo de caso alarmante de um desastre em grande parte causado pelo homem, exacerbado pelas mudanças climáticas, com profundas implicações sociais, políticas e ambientais. O país, que já enfrenta sanções, sabotagens e levantes, pode não resistir a milhões de cidadãos sedentos, com a água caindo 15 metros no último ano. Mais do que uma mera escassez natural, a situação atual é o resultado de décadas de má gestão irresponsável, corrupção e objetivos de desenvolvimento equivocados.
Desde os anos 1960, sob o governo do Xá Mohammad Reza Pahlavi, o Irã buscou inspiração em mega projetos de desenvolvimento hídrico dos EUA, como a Represa Hoover, com a ambição de transformar desertos em "paraísos verdes". Essa obsessão por barragens gigantescas tornou-se um símbolo de progresso e prestígio, com líderes locais buscando construir seus próprios "monumentos de concreto" sem preocupação com a viabilidade prática ou o impacto ambiental. Curiosamente, o regime islâmico pós-revolucionário, embora discordasse de quase todas as outras políticas do Xá, abraçou e até intensificou a visão de que "nenhum rio deveria ficar sem barragem". Na era do presidente Hashemi Rafsanjani, uma nova barragem era concluída a cada 45 dias, resultando em mais de 600 barragens em 30 anos, tornando o Irã o terceiro maior construtor de barragens do mundo no início dos anos 2000.
Essa política de construção desenfreada, sem coordenação provincial e muitas vezes com registros oficiais incompletos ou ausentes sobre custos e impactos ambientais, ignorou a realidade de que o Irã não é o Canadá ou a Noruega, mas um país com chuvas mínimas e rios sazonais. As barragens, ao invés de criar abundância, interromperam drasticamente o fluxo natural da água, sufocaram áreas alagadas, secaram fazendas rio abaixo e impediram a recarga de aquíferos subterrâneos. Exemplos desoladores incluem o Lago Urmia, reduzido a 5% de seu tamanho original, e a represa Gatfin, que salinizou um rio vital após ser construída sobre leitos de sal. Além disso, a tentativa de irrigar desertos resultou na salinização do solo, envenenando plantações e levando agricultores ao abandono de suas terras.
A outra metade da má gestão da água reside nas práticas agrícolas ineficientes. Com cerca de 90% de todo o suprimento de água doce do Irã direcionado à agricultura, grande parte dessa água é desperdiçada devido à irrigação por inundação, que tem uma eficiência média de apenas 35%. Em contraste, sistemas modernos por gotejamento atingem mais de 90% de eficiência. A persistência de métodos ultrapassados, combinada com a determinação do governo em alcançar a autossuficiência alimentar, levou ao cultivo de culturas que consomem muita água, como trigo e arroz, mesmo em locais inadequados. O caso das melancias em Sistan, onde cada quilo consome cerca de 170 litros de água em uma região com apenas 5 cm de chuva ao ano, é um exemplo gritante dessa imprudência. O resultado é a drenagem implacável dos aquíferos subterrâneos, com quase 70% das reservas de água subterrânea já esgotadas em menos de 50 anos, levando a fenômenos como o rebaixamento do solo de 25 a 30 cm por ano em certas regiões, causando rachaduras em prédios e estradas.
Para agravar a situação, o Irã está aquecendo duas vezes mais rápido que a média global, com a temperatura média do país subindo cerca de 0,4ºC por década. Isso resulta em ondas de calor mais longas e quentes, aumentando drasticamente as taxas de evaporação e a necessidade de irrigação e ar condicionado, criando um ciclo vicioso que piora a crise. As chuvas, quando vêm, são frequentemente em rajadas curtas e fortes que causam inundações sem penetrar adequadamente no solo.
As consequências socio-políticas são devastadoras. Os protestos pela água se tornaram generalizados, transformando-se em manifestações de descontentamento contra o governo e o líder supremo. Em Kuzistão e Isfahan, a falta de água potável levou milhares às ruas, com slogans que escalaram de pedidos de água para "Abaixo a República Islâmica" e até saudades do "Reza Xá". A resposta do governo tem sido a repressão brutal, com balas, gás lacrimogêneo e o corte da internet, uma tática de censura que deixa 27 das 31 províncias sem acesso. As autoridades, em alguns casos, ofereceram orações em vez de soluções, uma resposta que só aumentou a frustração da população.
Além dos conflitos internos, a crise hídrica tem tensionado as relações do Irã com vizinhos como Afeganistão e Iraque. Enquanto o Irã acusa o Afeganistão de violar acordos e reter a água do rio Helmand através da construção de represas como Kamal Kazak, o Afeganistão afirma que seus reservatórios estão secos. Essa disputa já escalou para confrontos fronteiriços mortais em 2023, com ambos os lados trocando acusações e o Talibã usando a água como arma. Ironicamente, o Irã faz o mesmo com o Iraque, cortando rios e afluentes que deságuam no Tigre, afetando centenas de milhares de iraquianos e levando a uma catástrofe humanitária em cidades como Basra.
As soluções propostas, como a dessalinização, são absurdamente caras e geram seus próprios "pesadelos ambientais", consumindo muita energia e produzindo salmoura prejudicial aos ecossistemas marinhos. Com projetos que custam bilhões de dólares, esses esforços parecem mais um "curativo caro" do que uma solução verdadeira. A dura verdade é que o dano aos aquíferos pode ser irreversível, e lagos como o Urmia levariam décadas para se recuperar. Projeções climáticas indicam um futuro com secas mais longas e menos chuvas.
O cenário mais sombrio é a potencial migração forçada de até 50 milhões de iranianos (cerca de 70% da população) em busca de água nas próximas décadas, o que poderia levar a uma crise de refugiados em uma escala sem precedentes e ao colapso de áreas urbanas já sobrecarregadas. A crise hídrica do Irã é, portanto, um lembrete crítico de que a interferência humana na natureza, combinada com má governança e falta de planejamento, pode levar uma civilização à beira da falência hídrica. O mundo deve observar atentamente, pois o sucesso ou fracasso do Irã em superar essa crise oferecerá lições vitais para outras regiões áridas e para o futuro da humanidade.