Porque a beleza importa?

 


A Importância Inata da Beleza: Reflexões a Partir de Roger Scruton

O vídeo "POR QUE A BELEZA IMPORTA?" oferece uma profunda reflexão sobre a obra de Roger Scruton, abordando a natureza intrínseca da beleza e do conhecimento, a relação do homem com a arte e a natureza, e os desafios contemporâneos na percepção estética. A discussão central gira em torno da beleza intrínseca, questionando se ela vale por si mesma ou serve a outras finalidades, como o desejo sexual ou a utilidade.

Conhecimento e Beleza Intrínsecos

A reflexão começa com uma analogia entre o conhecimento intrínseco e a beleza intrínseca. Da mesma forma que o ser humano se distingue pelo amor ao conhecimento e à sabedoria como fins em si mesmos, e não meramente como um meio para passar em um concurso ou obter um título, a beleza também deveria ser valorizada por si só. Considerar o conhecimento ou a beleza como um "estorvo" ou um mero meio é visto como, no mínimo, estranho para um ser humano.

A Beleza na Natureza: O Belo e o Sublime

Kant é citado para descrever a beleza natural como "a conformidade a fins sem fim". A natureza está em conformidade com as leis do universo, seus fins próprios, mas que, em última instância, servem a um fim infinito, levando todo o universo de volta à unidade, um conceito que se assemelha ao "Darma" da filosofia indiana.

A natureza nos oferece duas experiências estéticas principais:

   O Belo Harmonioso: Uma paisagem, alterada ou não pelo homem, nos faz sentir em casa e provoca harmonia. É produto da combinação perfeita de elementos diversos que se unem para formar uma unidade, permitindo ao homem vislumbrar uma maneira de organizar as "muitas coisas" dentro de si. Aqueles que têm a capacidade de admiração legítima pela beleza natural possuem o "gérmen de um bom caráter".
   O Sublime: Diferente do belo, o sublime é tão grandioso que causa um impacto avassalador. Inicialmente, ele nos intimida e nos faz sentir pequenos e insignificantes. Contudo, Kant argumenta que, ao mesmo tempo, o sublime nos revela nossa própria dignidade. Assim como a natureza age em conformidade com suas leis, o homem pode agir em conformidade com suas leis morais, e nem mesmo uma natureza grandiosa pode corrompê-lo, apenas tirar sua vida física. Essa percepção confere ao homem uma solidez e grandeza moral, um sentido sagrado à sua existência.

A Sacralização do Cotidiano e a Beleza da Arte

A tradição japonesa é apresentada como um exemplo de como transformar momentos pequenos em algo eterno e sublime, sacralizando a vida. A cerimônia do chá, por exemplo, é um ritual detalhado que eleva um encontro simples a um "ponto de encontro entre dois mundos" (Ichigo, Ichie), infundindo significado especial em pequenas coisas.

No contexto da arte, a música é usada como exemplo para ilustrar que a beleza necessariamente tem um significado. Uma obra de arte verdadeiramente bela não é um "envelope vazio"; ela tem um conteúdo que "toca nas fibras da identidade do homem", funcionando como uma revelação que lança luz sobre sua intimidade e traz à tona o que ele tem de melhor. O personagem de Robert Browning, ao ouvir uma melodia, vivencia conscientemente as emoções e reflexões que a música evoca, como se ela tivesse "batido à porta da sua alma" e revelado elementos já existentes em seu interior.

A arte, em sua essência, imprime ordem e significado à vida humana, atuando como um "fio que conecta todos os elementos que estão soltos". Ela harmoniza a vida, abole a arbitrariedade e permite ao homem fazer uma síntese de sua existência, mostrando que é possível criar harmonia a partir de diferenças aparentemente irreconciliáveis. Platão, em sua República, já destacava o papel da música na educação do homem para reconhecer um padrão interno de harmonia, associando modos musicais a padrões morais.

A célebre frase de John Keats, "A beleza é verdade; a verdade é beleza; é tudo o que na terra sabemos e que necessitamos saber", ressalta que a beleza é uma via para a verdade humana, um "salvo-conduto" para passar pelas ilusões e encontrar o que é real. Scruton lamenta que, em uma sociedade onde o juízo do gosto está obscurecido, perdemos a capacidade de perceber a verdade de nossas vidas e nos tornamos suscetíveis à alienação.

Arte e Moralidade: Além do "Arte pela Arte"

A concepção de "Arte pela Arte" de Theóphile Gautier é reinterpretada por Scruton. Ele argumenta que nada no universo está descomprometido, e a arte, por óbvio, tem um compromisso: "Arte pelo Homem". O verdadeiro propósito de Gautier era se opor à manipulação da arte para justificar falsas moralidades ou posturas políticas, como observado na União Soviética. Tal uso é uma profanação das Musas, que guardam os portais da beleza e não se deixam manipular para utilidades outras que não as da própria beleza e arte.

A arte, portanto, não é moralmente neutra; ela emana sua própria mensagem moral, que surge de seus "estatutos da beleza" internos, e não de uma imposição externa. Essa moralidade é vista como o "fio que conecta todas as contas da identidade humana", similar à lei moral de Kant. A experiência de obras como "A Imitação de Cristo" exemplifica como um amor genuíno e uma ordem interna podem comover qualquer pessoa, independentemente de sua ideologia religiosa.

A Educação do Gosto e o Juiz Fidedigno

Scruton desafia a cultura democrática que tende a igualar todos os gostos, inviabilizando a educação estética. Ele afirma que a formação do gosto humano é estritamente necessária como uma ponte para a elevação da consciência. Através de um ensinamento que provoque uma experiência, o gosto pode ser "depurado", como exemplificado pela apreciação de uma sinfonia de Brahms antes não apreciada, mas que um amigo ajudou a decifrar. Scruton enfatiza que a educação estética é mais importante hoje do que em qualquer outro período da história, dada a "fome espiritual e a nostalgia mortal de nossa espécie" em uma era de declínio da fé.

Para estabelecer um padrão universal de julgamento estético, Scruton recorre a David Hume, apresentando o conceito do "juiz fidedigno". Um juiz fidedigno é uma pessoa de caráter sólido e bom discernimento, cuja harmonia moral lhe permite penetrar na essência das coisas e perceber seu segredo. É um indivíduo que harmoniza sua vida, seus pensamentos e sentimentos, e naturalmente busca embelezar o mundo ao seu redor. A consciência expandida do juiz fidedigno, alimentada pela humildade, generosidade e harmonia (a "base negativa da consciência"), permite discernir a verdadeira arte e serve como um guia para que cada um possa depurar seu próprio gosto.

A Fuga da Beleza no Século XX

O século XX testemunhou um rompimento com a beleza como base da arte, negando-a como falsa, mentirosa ou ilusória. A nova premissa era que a arte deveria expor a realidade cruamente, sem redimir a dor humana. Marcel Duchamp e seu urinol ("A Fonte") são citados como um marco dessa "estética do feio", uma piada que, levada a sério, propagou a ideia de que "arte não tem regras". Contudo, mesmo as piadas possuem regras e uma finalidade (fazer rir sem ser de mau gosto, obscena ou agressiva). Um mundo onde a arte se permite transformar a beleza em "urinóis" e o humor ri da desgraça humana (como no caso de Mao Tsé Tung rindo de um trapezista morto) quebra a dignidade humana e anula as pontes para a elevação da consciência, gerando caos.

O Desprezo pela Beleza: Causas e Consequências

Scruton aponta várias causas para o desprezo pela beleza:

   A Beleza é Exigente: Ela rastreia a vida humana e aponta imperfeições, exigindo uma transformação e um preço que muitos não estão dispostos a pagar.
   O Acordo Tácito na "Lama": Há um pacto para permanecer na mediocridade coletiva, onde quem tenta sair é visto como "traidor" e agredido, pois sua elevação expõe a inércia dos outros. A inveja de Iago por Cássio ("ele mostra todos os dias a beleza que me torna feio") ilustra esse desconforto.
   O Despertar da Consciência: A beleza gera contraste, e do contraste nasce a consciência, o que pode ser desagradável para aqueles que preferem a não-comparação.
   A Dor da Mediocridade: Diante da grandeza alheia (como Salieri frente a Mozart), a incapacidade de atender ao chamado da beleza leva à destruição desse chamado, preferindo a mediocridade e até clamando: "Deus, tende piedade dos medíocres!".
   A Recusa ao Convite: A beleza é um convite poderoso, que pede ao homem para renunciar à posse das coisas e buscar a si próprio. Por ser um preço caro e muitas vezes doloroso, o convite é rejeitado e destruído, resultando em uma postura dessacralizadora. A montagem modernista de uma ópera de Mozart em um bordel é um exemplo dessa "agressão violenta", uma "vingança contra a beleza".

Essa dessacralização da vida tira as cores da existência humana, provoca dor, angústia, depressão e falta de estímulo, roubando um dos mais poderosos estímulos: a beleza, o êxtase e o sublime que dão sentido à vida. A agressão à beleza se torna uma forma de autoproteção: "Eu não tenho... então não tenho nada a perder!". Contudo, essa postura leva à anulação da vida, ao medo da dor e à perda da oportunidade de conquistar a natureza humana e a autoconsciência que a beleza oferece. Scruton corajosamente afirma que as imperfeições técnicas da arte refletem as imperfeições morais dos homens.

Em suma, a ausência de uma busca consciente pela beleza nos arrisca a cair em um mundo de prazeres viciantes, na banalização dos atos de dessacralização, e em um estado onde "já não se percebe bem porque vale a pena a vida humana". A reflexão sobre a beleza é, portanto, um convite a reencontrar o sentido e a harmonia que, segundo Homero, as Musas nos trazem de forma quase imperceptível.