Artigo para Reflexão: Cristãos e Ateus — O Confronto de Ideias em Busca de Sentido
O debate entre cristãos e ateus, conforme apresentado no podcast Inteligência Ltda., transcende a mera disputa sobre a existência de Deus, mergulhando nas fundações da moralidade, da cosmologia e da psicologia humana. Com a participação de expoentes das duas perspectivas — os pastores e teólogos Israel Júnior e Guilherme Rocha, e os debatedores céticos e acadêmicos Daniel Gontijo e Chileno Gomes — a discussão procurou ser conduzida com "cordialidade e elegância," focando no debate de ideias, e não de pessoas.
A Exigência de Evidência versus a Soberania Divina
Um dos pontos centrais levantados pelos céticos é o Argumento do Ocultamento Divino. Daniel Gontijo questionou por que, se o Deus cristão é sumamente bom, onisciente e deseja um relacionamento íntimo com a humanidade, há tanta descrença no mundo, e o ateísmo e a secularização estão em crescimento. Ele notou que a maioria da população mundial não acredita no Deus cristão. Vilela simplificou a questão, perguntando por que Deus seria "geográfico" e por que Sua palavra seria tão complexa a ponto de gerar conflitos.
A resposta da bancada cristã, em linha com o Calvinismo professado pelos pastores, invocou o conceito de Soberania de Deus e a Doutrina da Eleição. Segundo essa visão, Deus elegeu pessoas antes da fundação do mundo e o Espírito Santo tem a missão de revelar as verdades àqueles que Ele escolheu, citando passagens bíblicas para sustentar a ideia de que "não é o Daniel por mais que ele tenha toda o o desejo de compreender Deus... é Deus que não quis vocês". Guilherme Rocha argumentou que Deus se revela à humanidade através da revelação natural ("as coisas criadas provam o poder de Deus"), mas que a incompreensão da revelação é um mistério dentro da soberania de Deus, que também tem o objetivo de confundir.
Os ateus, por sua vez, demandam evidências replicáveis e científicas para a crença. Chileno Gomes enfatizou que o ateísmo não é um dogma, mas sim a "negação da existência de Deus" por ausência de evidência, embora não negue a possibilidade. Gontijo, ao final, definiu sua posição como um alto grau de convicção na não-existência de uma divindade (99,5%), mas ainda admitindo a possibilidade de estar errado, mantendo a "janelinha da dúvida" aberta como cético.
A Incoerência Moral e o Problema do Mal
O problema do mal e do sofrimento foi um tema recorrente e profundo. Chileno Gomes questionou como um Deus onisciente e todo-amoroso pode assistir ao sofrimento desnecessário, como no caso de abuso infantil ou desastres naturais (tsunamis), sem intervir, sugerindo que o homem se torna "mais empático, mais amoroso do que o todo poderoso".
Os cristãos responderam que o problema maior não é a ausência de intervenção divina imediata, mas sim a solução proposta pelo ateísmo. Israel Júnior argumentou que "o mundo não acaba a partir da morte" e que haverá solução e punição por um Deus soberano e julgador no futuro, referenciando a promessa de um tempo onde Deus "limpará dos teus olhos todas as lágrimas". Eles defendem que Deus não pode ser limitado à compreensão humana e que Suas ações, inclusive a ira, partem de Sua santidade, e não de sentimentos humanos.
A discussão também abordou a validade e a moralidade da Bíblia. Os céticos apontaram para:
- Semelhanças com mitologias anteriores (Hórus, Átis, Mitra, Gilgamesh), sugerindo que a Bíblia é um "compilado de outras culturas".
- Problemas de confiabilidade textual (cópias de cópias, 5.760 divergências catalogadas no Novo Testamento, adulterações como a interpolação sobre a Trindade).
- Diretrizes morais problemáticas (homossexualidade punida com morte, regulamentação da escravidão, estupro) que seriam "patentemente sangrentos" e anacrônicos se aplicados hoje.
Guilherme Rocha defendeu a distinção ontológica da Bíblia, citando o conceito de creatio ex nihilo (criação a partir do nada) como algo que não tem analogia nas mitologias anteriores. Sobre as questões morais, ele invocou o contexto histórico e o anacronismo, argumentando que a Bíblia estava regulamentando práticas sociais da época (como a escravidão) para atenuar seus horrores, e que o próprio cristianismo, ao defender o conceito de que todos são iguais perante Deus, levou ao fim da escravidão. Israel Júnior complementou que o cristianismo não se baseia em moralidade, mas em um elemento jurídico (a justificação pela fé).
O Sentido da Vida e a Psicologia da Crença
Em uma análise sociológica e psicológica, Chileno Gomes e Daniel Gontijo exploraram as origens da crença e do sentido existencial. Gontijo mencionou estudos que sugerem que a crença em seres sobrenaturais pode ser um subproduto do nosso cérebro, que busca "agência" e atribuições de causalidade (antropomorfismo), citando o exemplo de ver rostos em nuvens. Ele também destacou que a religião fornece sentido de vida, mas que ateus e não religiosos não apresentam mais crises existenciais do que os crentes, encontrando propósito em fontes alternativas, como a "generatividade" (legado para terceiros).
Chileno Gomes, como psicanalista e ateu, defendeu a moralidade secular, onde a ética é baseada em um consenso social para a convivência, e não no medo do inferno ou na promessa do céu. Ele ainda declarou: "Eu não quero que você pense igual a mim, quero apenas que você pense," valorizando o estudo e a investigação pessoal sobre a fé. Para ele, o fato de não esperar nada após a morte dá mais sentido à vida presente.
A discussão também tocou em:
- O uso da Psicanálise: Chileno defendeu que a Psicanálise não é pseudociência por nunca ter pretendido ser ciência, mas sim um método investigativo subjetivo, reconhecendo que a neurociência moderna corrobora alguns aspectos freudianos.
- Aposta de Pascal vs. Conselho de Gontijo: Guilherme encerrou com a Aposta de Pascal (crer em Deus minimiza a perda finita, mas maximiza o ganho infinito, caso Ele exista). Gontijo, em contraponto, ofereceu o Conselho de Gontijo: se não houver nada depois da morte, reflita se você está ou não desperdiçando tempo e energia com uma fé que não te faz feliz no presente (eterno retorno de Nietzsche).
O debate demonstrou a complexidade de conciliar visões de mundo radicalmente diferentes, oferecendo aos ouvintes uma valiosa oportunidade de reflexão sobre suas próprias convicções, seja pela via da fé, da razão, da filosofia ou da ciência.