Misoginia como Crime: Uma Análise do Avanço Social e seus Desafios Legais

 


Misoginia como Crime: Uma Análise do Avanço Social e seus Desafios Legais

O recente debate sobre a criminalização da misoginia, definido pelo Senado Federal como um crime equivalente ao racismo, levantou questões complexas sobre a liberdade de expressão, a proteção de grupos sociais e a definição legal de ódio. O projeto visa tipificar a misoginia, que é o ódio ou aversão às mulheres, como um crime no ordenamento jurídico brasileiro.

O apresentador do vídeo, ao reagir ao conteúdo da Band Mulher, propõe uma reflexão sobre o que exatamente constitui esse "crime terrível" e quais são os riscos atuais de interagir com uma mulher desconhecida no Brasil.

A Definição Legal e Suas Manifestações

A proposta de lei criminaliza condutas que manifestam ódio ou aversão às mulheres, baseadas na crença da supremacia do gênero masculino. A advogada Daniela Portugal, presente na fonte, explica que a misoginia é um sentimento generalizado de menosprezo às mulheres. É o ódio ou desprezo a uma pessoa só por ser mulher, refletindo uma sociedade machista e patriarcal que sugere que mulheres são incapazes de ocupar espaços de poder ou não merecem voz autônoma.

A misoginia pode se manifestar de diversas maneiras:

  1. Em palavras ou atitudes: Incluindo piadas sem graça.
  2. Em decisões: Seja em ambientes de trabalho ou familiares.
  3. De maneira sutil: Como a "suposta brincadeira" que silencia e diminui as mulheres.

O conteúdo destaca que a misoginia agora seria crime equivalente ao crime de racismo, que no Brasil é inafiançável e imprescritível.

A Criminalização da Expressão e a Constatação de Fatos

Um ponto central da reflexão é a criminalização de atos verbais e piadas. O apresentador questiona se uma piada, mesmo que de mau gosto (como sugerir que "lugar de mulher é na cozinha"), manifesta ódio ou aversão, e se isso seria criminalizado. Ele ironiza que, se a misoginia for equiparada ao racismo, "piada com mulher é crime".

Outras condutas cotidianas são listadas como potencialmente misógenas e criminosas:

  • Interromper ou duvidar da fala de uma mulher em uma reunião, conversa ou debate. A interrupção por um homem é descrita como uma "violência gigantesca". O apresentador questiona a lógica, afirmando que duvidar da palavra de uma mulher, mesmo que o conteúdo seja questionável, também é crime.
  • Fazer piadas machistas que reforcem a ideia de que mulher serve para certas coisas.
  • Associar um mau comportamento (como falta de controle ou fraqueza) ao fato de ser menina.
  • Constatar fatos biológicos (como a tendência de mulheres serem biologicamente mais fracas ou possuírem uma noção espacial inferior na média, o que afetaria a condução de veículos). O apresentador afirma que, nesse novo contexto legal, "constatar fatos biológicos se torna crime no Brasil".
  • Ofender mulheres públicas (embora o exemplo dado cite a Ministra Cármen Lúcia e o apresentador questione por que ofensas a figuras como Damares ou Michele Bolsonaro não seriam igualmente destacadas).
  • Elogiar a aparência física estética de uma mulher em detrimento de sua capacidade intelectual.

Contexto Legal e Críticas Filosóficas

A advogada explica que este projeto se insere no guarda-chuva da Lei 7.716/89, que criminaliza o racismo, e pega o gancho de uma modificação introduzida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O STF, ao ampliar o crime de racismo para práticas de LGBTfobia, utilizou o raciocínio de que o racismo não está ligado a aspectos puramente biológicos, mas sim a uma estrutura de dominação e subjugação direcionada para excluir e violentar determinados grupos sociais. A omissão inconstitucional identificada levou à inclusão da questão da misoginia.

O apresentador levanta uma crítica de cunho libertário, questionando se ofensa ou xingamento deveria ser crime em qualquer hipótese. Ele sugere que, se existe uma defesa básica da liberdade de expressão, "xingamento não deveria ser crime em nenhuma hipótese". A punição, segundo essa visão, deveria focar na discriminação institucional por parte do Estado (o qual deveria ser aberto a todos).

Outra crítica apontada é a aparente disparidade na aplicação das proteções. O apresentador argumenta sarcasticamente que, ao equiparar a misoginia ao racismo, o único grupo que pode ser "sacaneado, zoado, criticado, escrotizado, depreciado" perante a lei é o de "homens brancos e héteros". Ele classifica isso como um absurdo, onde o grupo que legalmente pode ser atacado é, ironicamente, considerado o "grupo privilegiado".

Os Desafios da Implementação

A advogada Daniela Portugal destaca que há muito o que acompanhar, sendo a lei um assunto muito completo. Ela aponta dois grandes desafios:

  1. Delimitação Conceitual: Não considera adequado trabalhar na mesma lei o racismo, a LGBTfobia e a misoginia, pois isso pode levar os destinatários das normas a confundirem os conceitos. Seria mais adequado trabalhar com leis autônomas.
  2. Efetividade: A lei do racismo já enfrenta problemas de efetividade desde 1989, e a dificuldade de aplicação deve persistir com a misoginia.

Apesar dos desafios na delimitação do que pode e o que não pode ser feito — incluindo a piada exata que seria ou não crime — a conclusão das especialistas da Band Mulher é que esta lei representa um "grande avanço social". Já o apresentador ironiza o avanço, sugerindo que o único caminho para a perfeição seria se "todos os homens passassem a se identificar como mulheres", eliminando, assim, os problemas de misoginia e patriarcado.


A criminalização da misoginia, ao equipará-la ao racismo, eleva a proteção contra o ódio e a aversão às mulheres a um novo patamar legal, tornando condutas antes vistas como meras piadas ou interrupções em potencial crimes inafiançáveis. Este movimento reflete a identificação de uma violência estrutural que necessita de intervenção estatal. Contudo, o debate exposto levanta a tensão fundamental: até que ponto a ampliação da esfera penal para proteger grupos contra ofensas verbais pode coexistir com a plena liberdade de expressão, e como o Estado pode garantir que tais proteções sejam aplicadas de maneira justa e igualitária, sem se tornar uma ferramenta tirânica que pune meras palavras e fatos biológicos? É como tentar delimitar a água em uma peneira; a intenção de reter o ódio é clara, mas a fluidez e a subjetividade das palavras dificultam o enquadramento legal preciso e eficaz.


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