Reflexões sobre Segurança Pública e Justiça: Uma Análise do Debate sobre Operações Policiais e Maioridade Penal
O debate realizado no "Gida Labs" entre Gabriel Monteiro e diversos participantes identificados com a esquerda e setores sociais levantou questões cruciais e altamente polarizadas sobre segurança pública, justiça social e o papel do Estado no combate ao crime. As discussões se concentraram na eficácia de megaoperações policiais, na redução da maioridade penal e na responsabilidade social pela criminalidade.
A Controversa Operação Policial na Penha
Um dos pontos centrais da discussão foi a operação policial no Complexo da Penha/Alemão. Gabriel Monteiro defendeu a operação, afirmando que a polÃcia não errou. Ele argumentou que a ação visava cumprir mandados judiciais e impedir o "terrorismo do Comando Vermelho" (CV). Para Monteiro, o CV é um grupo terrorista que tortura e mata moradores, e que bandidos de fuzil devem ser mortos. Ele ressaltou ainda que 87% da população de comunidades periféricas aprovou a operação policial.
Em contrapartida, os opositores trouxeram dados para questionar a eficácia da ação, argumentando que a polÃcia errou e que a operação falhou em cumprir seus principais objetivos. Um dos participantes, Caio Barros, mencionou que apenas 20 dos 100 mandados emitidos foram cumpridos (20%). Além disso, a operação não teria conseguido apreender dinheiro (o Complexo da Penha sendo um dos caixas do CV) e apreendeu apenas cerca de 5% dos mais de 2.000 fuzis estimados na região (apenas 110 apreendidos). A falta de ocupação do território também foi citada, com o CV retornando no dia seguinte.
Houve também um forte foco nas perdas humanas. Enquanto Monteiro lamentou as mortes dos quatro policiais, ele insistiu que os 117 bandidos mortos deveriam ter morrido, pois escolheram ser marginais ao resistir à ordem legal da polÃcia e atirar no BOPE, usando fuzis e granadas.
Outros participantes, contudo, trouxeram a perspectiva dos moradores. Uma pessoa nascida na Vila Kennedy (Duda Sin Cquini) questionou a validade da operação, apontando que se ações como essa fossem um sucesso, o mesmo território não sofreria uma megaoperação novamente 15 anos depois. Ela sugeriu que o estado investe em operações em vez de investir em força-tarefa de inteligência, permitindo que a corrupção dentro das esferas militares e federais facilite o armamento de facções. Houve ainda o relato de que a polÃcia não escolhe quem atirar, e o questionamento sobre corpos que apareceram sem roupas (aparentemente de cuecas) e a falta de conclusão das perÃcias sobre todos os 117 mortos, o que levanta a suspeita de execução.
A Questão da VÃtima e a Falta de Oportunidades
Uma discussão fundamental girou em torno de se o assaltante deve ser considerado uma vÃtima. Um dos debatedores discordou de Gabriel Monteiro, afirmando que "assaltante é vÃtima, sim, de certa forma", devido à falta de oportunidade lá atrás. Eles argumentaram que, na favela, o bandido é quem oferece lazer e cultura, e que a falta de polÃtica pública e a ausência do Estado levam crianças a verem o crime como caminho.
Em resposta, Monteiro argumentou que a escolha de cometer crimes é individual. Ele citou que, do mesmo lugar onde nasce o assaltante, nascem mais 100 trabalhadores que "escolheram a vida certa". Ele listou profissões de baixo salário (gari, manicuro, camelô) cujos trabalhadores não optaram por "romper os valores morais". Ele ainda mencionou que grandes criminosos (como polÃticos em BrasÃlia) tiveram todas as oportunidades, mas escolheram ser bandidos.
A contra-argumentação focou na desigualdade social e na falta de polÃtica pública, especialmente na educação. Foi apresentado o dado de que escolas municipais em favelas tiveram mais de 100 dias de ano letivo paralisados em 2024 devido a operações policiais, o que impacta diretamente a oportunidade desses jovens. A percepção da esquerda é que a polarização do debate serve para a direita afirmar que "todo mundo tem oportunidades e vira quem quer", enquanto a esquerda é rotulada como defensora de bandido, quando na verdade clama por polÃtica social na base.
A Redução da Maioridade Penal
A proposta de redução da maioridade penal também gerou fortes conflitos. Monteiro se declarou a favor por buscar justiça para as vÃtimas. Ele deu o exemplo de um assassino de 17 anos que fica, em média, apenas 1 ano e 8 meses internado, saindo com a ficha limpa, o que seria uma injustiça contra as vÃtimas.
Os opositores defenderam que a redução da maioridade penal é ineficaz e injusta em um paÃs com a estrutura atual. Argumentaram que o sistema prisional e de internação (como o Degase) não ressocializa; a reincidência é altÃssima (quase 80% dos jovens egressos do Degase acabam no sistema prisional adulto). A redução seria, na prática, uma forma de "enjaular mais a população que já está enjaulada", composta majoritariamente por 80% de pessoas negras. A crÃtica é que a redução não trata o problema estrutural, mas sim visa punir estrategicamente pessoas de um determinado grupo.
Outra preocupação levantada foi a fragilidade do sistema legal no Brasil. Em um paÃs onde é comum policiais forjarem provas contra adolescentes, e onde há muitas pessoas presas indevidamente, reduzir a maioridade penal aumentaria a injustiça.
"Romantizar Bandidos": Uma Acusação RecÃproca
A discussão sobre se a esquerda romantiza bandidos foi intensa. Monteiro afirmou que a esquerda, historicamente, vota contra o recrudescimento penal (citando o Pacote Anticrime e a proibição da "saidinha" de criminosos) e, portanto, "romantiza criminosos".
Os participantes de esquerda rebateram, afirmando que não romantizam bandidos, mas buscam defender os direitos humanos e entender a realidade da favela. Além disso, acusaram a direita de também "romanticizar" criminosos. Eles citaram o apoio da direita a polÃticos e militares envolvidos em crimes (como Ron Lessa, assassino de Marielle, amigo de Bolsonaro; ou Roberto Jefferson, que resistiu à polÃcia com tiros) e o pedido de anistia para pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro. A conclusão apresentada é que a direita "escolhe quais são esses bandidos que na maioria das vezes vestem uma farda, são brancos, os homens", enquanto a esquerda é polarizada por defender os direitos humanos dos "bandidos pretos que estão dentro da favela".
Em essência, o debate expôs um conflito fundamental na visão de segurança pública brasileira: de um lado, a urgência em combater o crime e impor a lei através de força e punição exemplar (mesmo que com vieses controversos), e de outro, a necessidade de reconhecer a falha do Estado em prover condições dignas e o impacto da desigualdade social e da corrupção na gênese da violência. O diálogo frequentemente descambou para ataques pessoais e interrupções, refletindo a dificuldade em conciliar estas duas visões opostas sobre a origem do crime e a maneira mais justa de lidar com ele.
O debate, portanto, funciona como um espelho da polarização polÃtica sobre a segurança pública, onde a busca por justiça para as vÃtimas (argumento principal de Monteiro) é contrastada com a luta por justiça social e estrutural (argumento principal dos opositores). É como tentar consertar um vazamento em uma casa: uma abordagem (a da punição) foca em limpar a água suja que inunda a sala, enquanto a outra (a social) insiste que o problema real está nos canos podres e negligenciados que continuam a alimentar o vazamento.