Debate: Críticas de um Ex-Bitcoinheiro ao Bitcoin

 




De Fanático a Maior Crítico: 4 Lições Surpreendentes de um Ex-Bilionário do Bitcoin

Introdução: O Que Leva um Crente a Perder a Fé?

Avelino Morgante não é um crítico comum do Bitcoin. Ele é um ex-crente, um verdadeiro fanático. Como estudante de engenharia da computação, ele descobriu o Bitcoin em 2013, comprou a preços irrisórios e usou os lucros para pagar a faculdade. Mas sua devoção ia além: ele tinha "camiseta de Bitcoin, meia de Bitcoin", escrevia artigos e frequentava eventos. Mais do que isso, construiu uma operação de negociação que movimentou mais de um bilhão de reais, tornando-se uma figura central no mercado brasileiro. A questão que intriga a todos é: o que poderia levar alguém tão profundamente investido e bem-sucedido no universo do Bitcoin a se tornar um de seus maiores críticos públicos? As respostas são surpreendentes e revelam lições valiosas sobre mercado, economia e a própria natureza do valor.

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1. O Dia em Que o Bitcoin Quebrou: A Crise de Confiança de Março de 2020

O ponto de virada mais crítico para Avelino ocorreu em março de 2020. Por anos, ele promoveu o Bitcoin ao lado do ouro como um ativo de proteção, um porto seguro contra crises financeiras. No entanto, quando a crise de fato chegou, o Bitcoin não apenas falhou no teste, como desmoronou: caiu 50% em um único dia. Para ele, a tese central de que o Bitcoin era um ativo "antifrágil" foi instantaneamente invalidada.

O segundo choque daquele dia foi ainda mais profundo: a percepção de uma manipulação de mercado em larga escala. Avelino testemunhou o preço congelar na exchange BitMEX e, através de contatos no mercado, soube de um "grande acordão" — um acordo de bastidores entre os chefes de grandes corretoras, como Binance e BitMEX, para criar um circuit breaker artificial. O objetivo era impedir o colapso de suas próprias operações, mas o motivo era específico e urgente: segundo os cálculos de Avelino e seus colegas, com o preço caindo em direção aos US$ 3.000, a BitMEX estaria insolvente. A intervenção foi um ato de emergência para evitar a quebra iminente da exchange.

"Poxa o negócio primeiro cai 50% em um único dia então não é ativo de proteção contra crises. Aí depois eles fazem um circuit breaker no Bitcoin então assim não é algo não é um ativo livre igual eu imaginava né um livre mercado tal não eles manipularam porque senão eles iam quebrar."

Este evento foi devastador porque destruiu os dois mitos fundamentais que sustentavam sua crença no Bitcoin: a ideia de que ele era um hedge contra crises e a de que operava em um mercado verdadeiramente descentralizado e livre de interferências.

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2. O Argumento Austríaco: Por Que Bitcoin Nunca Poderá Ser Dinheiro de Verdade

A crítica de Avelino vai além da performance do mercado e se aprofunda em princípios econômicos da Escola Austríaca. Para ele, o Bitcoin falha em testes fundamentais para ser considerado dinheiro de verdade.

Unidade de Conta: Baseando-se no princípio de Friedrich Hayek de que o dinheiro deve ser estável para funcionar como um sistema de preços confiável — "uma régua que não muda" —, Avelino argumenta que a extrema volatilidade do Bitcoin o torna inútil para o cálculo econômico. Ele demonstra isso com um teste simples: ninguém sabe quantos bitcoins um microfone vale sem primeiro consultar seu preço em dólares. Isso prova que o Bitcoin não é a unidade de medida fundamental, mas sim um derivativo precificado contra o dólar.

Origem da Mercadoria: Seguindo a teoria de Carl Menger, o dinheiro deve evoluir naturalmente a partir de uma mercadoria com um uso industrial prévio (como ouro ou prata), o que lhe confere uma demanda não monetária. Avelino aponta que o Bitcoin não possui essa base. Sem um uso prático que sustente seu valor, ele carece da fundação testada pelo mercado que o dinheiro histórico possui.

"o Bitcoin ele não é unidade de conta você não consegue fazer o cálculo econômico de a quanto esse microfone vale quantos bitcoins se eu não olhar a cotação do Bitcoin na hora eu não consigo fazer isso."

Do ponto de vista da economia clássica, o Bitcoin simplesmente não cumpre os pré-requisitos mais básicos para ser classificado como dinheiro sólido.

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3. O Mito da "Reserva de Valor": Uma Ideia Perigosa

Avelino desafia um dos mantras mais repetidos pelos entusiastas do Bitcoin: a ideia de que ele é uma "reserva de valor". Sua tese é radical e contraintuitiva: nada pode ser, de fato, uma reserva de valor.

Isso ocorre porque o valor é subjetivo. Ele não reside nos ativos, mas na mente das pessoas. O valor que um indivíduo atribui a um bem é condicional, mudando com o tempo, a situação e entre diferentes pessoas. Para provar que nem mesmo o ouro é absoluto, Avelino cita exemplos históricos: a crise econômica e a hiperinflação na Espanha após a descoberta das Américas inundar a Europa com ouro, e a perturbação do mercado causada por um rei africano que, em sua peregrinação, "saiu deixando um monte de ouro" por onde passava.

O preço, em sua visão, é apenas um "snapshot" do valor, um registro momentâneo de um acordo entre duas partes em uma transação específica. A ideia de que um objeto pode "armazenar" esse conceito subjetivo e fugaz é, para ele, uma falácia lógica. Confiar no desempenho passado como garantia de valor futuro é um erro.

"não existe garantia de que aquilo vai de que aquilo vai valer algo no futuro só porque por exemplo assim o ouro performou bem nos últimos 6.000 anos... será que vai?"

Essa perspectiva é desafiadora porque obriga os investidores a questionar uma das justificativas mais comuns para comprar ativos como ouro ou Bitcoin, substituindo a busca por certeza pela aceitação do que Hayek chamava de "pretensão do conhecimento".

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4. A Relação Risco-Retorno Inverteu: Por Que Ele Trocou Bitcoin por Prata

A decisão de Avelino de abandonar o Bitcoin também é pragmática e baseada em uma análise fria da relação risco-retorno. Ele comprou a criptomoeda quando ela valia entre R 200 e R 500, um ponto em que o potencial de ganho era exponencialmente maior que o risco. Hoje, com o ativo cotado em centenas de milhares de reais e já amplamente popularizado, ele acredita que o grande ciclo de crescimento já passou e o perfil de investimento não é mais atraente.

Sua estratégia atual é o oposto: focar em ativos que ele considera "baratos", impopulares e com um potencial de valorização muito maior. Seu principal exemplo é a prata. Ele argumenta que o metal, com um pico histórico de US$ 50 nos anos 1980, apresenta uma assimetria impressionante. Nas suas palavras, "se você só ajustar pela inflação, deveria valer 1350 hoje". Essa enorme discrepância entre o preço atual e seu valor histórico ajustado indica um potencial de ganho altíssimo.

"eu gosto de comprar coisas que estão estão mais baratas ali as frutas que estão mais mais baixas... essas pessoas pensam que o negócio vai subir mais 1000% e eu não acho eu acho que a curva já já deu uma saturada."

Sua mudança representa um movimento clássico de um investidor de valor: sair de um ativo que ele considera maduro e popular para um que ele acredita estar à beira de uma grande reavaliação.

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Conclusão: A Pergunta de US$ 38 Trilhões

A jornada de Avelino Morgante, de um fanático evangelista do Bitcoin a um crítico fundamentado, foi impulsionada por uma combinação poderosa: uma quebra de confiança durante uma crise de mercado, a redescoberta de princípios econômicos clássicos e uma reavaliação pragmática do risco e do retorno.

Ele deixa um alerta final para reflexão. O preço do Bitcoin tem se mostrado altamente correlacionado com a liquidez global (o agregado monetário M2). Avelino prevê uma futura crise deflacionária, na qual essa liquidez terá que encolher para que se possa pagar a massiva dívida governamental, como os 38 trilhões de dólares da dívida americana.

Isso leva à pergunta final, que vale trilhões: Se o preço do Bitcoin é tão dependente da liquidez global, o que acontecerá com ele quando a maré do dinheiro fácil finalmente baixar?


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