A Guerra da Black Friday Que Está Queimando o Marketing Digital Brasileiro

 










A Guerra dos Gurus: 4 Lições Ocultas que a Black Friday Revelou Sobre o Fim do Marketing Digital

Introdução

Se você esteve online nas últimas semanas, foi impossível escapar. Um bombardeio de anúncios sobre a "guerra das Black Fridays" tomou conta de todas as redes, com nomes como Primo Rico, Érico Rocha, Pedro Sobral e Ícaro de Carvalho se unindo em dois grandes grupos concorrentes. De um lado, uma oferta. Do outro, uma contraoferta. Promessas, rivalidades e a sensação de que algo monumental estava acontecendo.

Mas o que essa movimentação sem precedentes realmente significa? Por trás das promessas do "maior lançamento da história", há sinais profundos sobre o colapso de um modelo de negócios e o nascimento de um novo mercado. A verdade é que essa batalha é muito menos sobre os produtos que eles estão vendendo e muito mais sobre o futuro que eles estão tentando desesperadamente garantir.

Este artigo vai além do barulho e da publicidade para destilar os 4 aprendizados mais surpreendentes e contraintuitivos que essa "guerra" nos ensina sobre o futuro dos negócios online. Não se trata de quem vendeu mais, mas do que a própria batalha revela.

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1. A "Guerra" não é sobre desespero, é uma jogada fria de negócios.

A percepção comum é que a união de tantos "gurus" para vender pacotes de cursos é um sinal de fraqueza. Comentários como "o mercado faliu" ou "eles estão desesperados" inundaram a internet. No entanto, a realidade é o oposto: trata-se de uma otimização financeira agressiva em um mercado que se tornou mais caro e competitivo. A estratégia por trás do movimento se baseia em dois conceitos-chave:

  • Redução do CAC (Custo de Aquisição de Cliente): O custo para anunciar online (tráfego pago) disparou. Em vez de competirem entre si no leilão de anúncios, elevando os preços para todos, os grandes players se uniram. Como aponta o analista Renan Moraes, ao juntar as audiências e dividir o investimento, eles barateiam drasticamente o custo para trazer um novo cliente. É uma colaboração estratégica para reduzir a principal despesa de um negócio digital.
  • Antecipação do LTV (Lifetime Value): Esta é a jogada mais brilhante e fria. Em vez de esperar que os clientes comprem ou renovem cursos ao longo de vários anos, eles criaram uma oferta vitalícia "irresistível". O objetivo é receber todo o valor potencial que um cliente geraria ao longo da vida de uma só vez, no momento presente. É uma estratégia para "adiantar o caixa futuro" e garantir o faturamento agora, em um cenário onde o futuro é cada vez mais incerto.

Longe de ser um ato de pânico, a estratégia é uma resposta calculada a um mercado maduro. Eles não estão quebrando; estão consolidando seu domínio de forma financeiramente implacável.

2. Você está comprando uma biblioteca que nunca terá tempo de ler.

Do ponto de vista do consumidor, a principal falha dessas megaofertas é também o seu maior apelo: a abundância. A promessa de ter acesso a dezenas de cursos de uma só vez parece um valor incalculável, mas esconde uma verdade inconveniente.

Dados de mercado, como os citados na análise de Oney Araújo, mostram que menos de 10% das pessoas que compram um curso online o concluem. Ao empilhar dezenas de formações, a promessa de conhecimento se transforma em "falsa produtividade". O maior obstáculo para o consumidor deixa de ser o dinheiro e passa a ser a percepção esmagadora de que "eu não vou ter tempo de assistir isso aqui tudo".

O influenciador Primo Pobre resumiu o problema de forma direta, colocando a responsabilidade na natureza humana:

90% de quem compra curso não conclui nada e isso não é um problema de internet, curso digital, é um problema do ser humano. O ser humano começa e não faz.

No fim, o verdadeiro produto vendido não é o conhecimento prático, mas a sensação de ter aproveitado uma oportunidade única e imperdível. O resultado, para muitos, será apenas uma coleção de logins e senhas acumulando poeira digital, enquanto a sensação de "ter que fazer" gera mais ansiedade do que resultados.

3. A "maior promoção da história" está matando o mercado para os pequenos.

Embora lucrativa para os gigantes, essa estratégia agressiva cria um efeito colateral devastador para o resto do ecossistema digital. Ao oferecerem pacotes massivos por um preço comparativamente baixo, eles criam uma nova "régua de valor percebido" no mercado. Renan Moraes usa uma analogia perfeita para ilustrar o problema:

"É como se você tivesse começando uma marca de refrigerante e para começar a lucrar você precisa vender o seu refrigerante a R 7 só que a Coca-Cola tá na prateleira do teu lado no mercado custando R 2."

Isso não é um risco teórico; é uma realidade de mercado documentada. O estrategista Mateus Dias relata a experiência que teve ao fazer a coprodução de um negócio no nicho de estética que faturou R 6 milhões em um ano. Uma grande parte dessa receita veio de uma Black Friday agressiva, onde chegaram a faturar mais de R 20.000 por dia. O problema veio depois. Quando a promoção acabou e os preços voltaram ao normal, o negócio sofreu uma "ressaca" brutal: "passamos quase quatro meses com um faturamento irrisório", lutando para alcançar R$ 15.000 no mês.

O motivo? Os próprios clientes criaram uma barreira. Como Dias explica, "as pessoas olharam e falavam: 'Não, eu paguei... tinha mais barato antes, por que que eu vou pagar mais caro agora?'". A promoção massiva ensinou o público a desvalorizar o produto, tornando a venda a um preço sustentável quase impossível e paralisando um negócio lucrativo por um trimestre inteiro.

4. O futuro não são mais cursos, mas sim "pílulas" e robôs.

Enquanto a "guerra dos cursos" domina as manchetes, os sinais do futuro do mercado já apontam para uma direção completamente diferente. O próprio movimento dos grandes players, de antecipar o valor de seus cursos, sugere que eles sabem que o modelo está com os dias contados. Duas tendências emergentes deixam isso claro:

  • Produtos "Low Ticket" de Dor Única: O analista Oney Araújo prevê que os próximos anos serão marcados por produtos baratos que resolvem um único problema de forma rápida e direta. Chega de cursos enciclopédicos de 40 horas. A nova lógica é a da conveniência e do resultado imediato. Nas palavras dele: "É como se fosse na farmácia, tô com a dor de cabeça, compro comprimido, toma, paz".
  • Ferramentas e IA (O modelo "Feito para Você"): A mudança mais profunda é a transição do modelo "faça você mesmo" (cursos) para o "faço por você" (ferramentas e IA). Analistas como Mateus Dias não estão apenas observando essa tendência, mas apostando seus negócios nela. Ele anunciou que está descontinuando sua principal formação, o "Método LTV", para focar 100% em seu software, o "ChatFunnel". Sua justificativa é um sinal dos tempos: "eu vou simplesmente parar de ensinar funil e vou aplicar funil no meu negócio... eu não gosto de ensinar o que eu não faço".

Esse movimento mostra que os próprios especialistas estão "liquidando o estoque" do velho marketing digital. Eles sabem que a nova fronteira para entregar valor real não é exigir que o cliente assista a centenas de horas de aulas, mas sim fornecer soluções tecnológicas que geram resultados com o mínimo de esforço.

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Conclusão

A "guerra das Black Fridays" foi menos uma batalha pelo seu dinheiro e mais o sintoma visível de uma profunda transformação no mercado digital. Ela representa o ápice e, paradoxalmente, o fim de uma era baseada no acúmulo de informação. Estamos testemunhando o nascimento de uma nova fase, focada em resultados rápidos, soluções práticas e automação.

Os grandes players estão fazendo uma jogada inteligente para maximizar os lucros de um modelo em declínio, enquanto, ao mesmo tempo, preparam o terreno para o que vem a seguir. Para consumidores e pequenos empreendedores, a lição é clara: o valor não está mais na quantidade de conteúdo que você consome, mas na velocidade e eficiência com que você resolve um problema.

Diante de um mercado que valoriza cada vez mais o "feito para você", a próxima grande oferta que você aceitar será para aprender a fazer algo ou para ter algo feito por você?