O ambiente digital, embora facilite inúmeras atividades diárias, apresenta um campo minado de potenciais riscos jurídicos que muitas vezes passam despercebidos pelo usuário comum. O conteúdo em análise alerta para uma realidade preocupante: existem erros digitais que, mesmo cometidos sem intenção, dolo, má-fé ou conhecimento, podem responsabilizar o indivíduo, gerando inquéritos policiais, investigações, processos cíveis ou criminais e imensas dores de cabeça.
A abordagem aqui difere daquelas focadas em crimes cibernéticos intencionais ou em como ser vítima. O foco reside em posturas desinformadas, onde a pessoa não tem o discernimento ou a noção do caráter ilícito de um ato, mas o comete, sujeitando-se ao rigor da lei, pois "ninguém deve se excusar ao conhecimento da lei".
As investigações decorrentes desses erros podem envolver requisições para comparecimento à autoridade policial, quebras de sigilo informático, financeiro, fiscal ou COAF, e podem levar anos para serem explicadas. Isso ocorre porque os sistemas de monitoramento capturam atividades que podem ser interpretadas erroneamente como criminosas ou potencialmente perigosas.
A seguir, apresentamos uma reflexão sobre os erros mais comuns que podem levar à responsabilização, conforme acompanhado ao longo da jornada na advocacia envolvendo fraudes online e crimes cibernéticos:
1. Riscos de Compartilhamento e Infraestrutura de Rede
A negligência na gestão da própria rede de internet ou dos dispositivos conectados é uma das fontes mais comuns de problemas:
- Compartilhamento de Wi-Fi: Compartilhar a conexão (Wi-Fi, 3G) com desconhecidos, como vizinhos ou hóspedes, é um erro primário. Qualquer ato ilícito (fraude, crime digital) cometido por terceiros sairá com o seu IP e ID do dispositivo. Na quebra de sigilo (permitida pela Lei 12.965/2014, que exige que provedores de acesso guardem informações por um ano), o titular da internet será o primeiro a ser intimado. A recomendação é não liberar o roteador geral e garantir configurações seguras (WPA/WPA3), trocando senhas.
- Dispositivos IoT com Senhas Padrão: Deixar dispositivos conectáveis (TV, Alexa, roteador, câmeras) com senhas padrão (que vêm no rodapé) compromete a segurança. Pessoas mal-intencionadas podem usar esses dispositivos para cometer crimes, disparar malware ou montar um servidor para um site criminoso. O perito encontrará logs que apontam a origem na sua rede, resultando em responsabilização.
- Hospedagem de Serviços em Ambiente Inseguro: Hospedar VPNs ou servidores de jogos em serviços sem segurança permite que criminosos usem essa estrutura para ataques DoS, disparo de phishing ou para esconder a origem de crimes. O proprietário da estrutura será responsabilizado.
2. O Perigo do Conteúdo e Software Não Verificado
O desconhecimento sobre a procedência de arquivos, softwares e acessos pode ter sérias consequências:
- Uso de Software P2P e Torrents: Instalar software P2P sem filtrar o que é baixado e compartilhado é perigoso. Esses programas podem compartilhar automaticamente arquivos ilegais que o usuário nem sequer sabe que possui. Se o conteúdo tiver um hash ilícito (rastreado pelo NCMEC, um órgão americano), a polícia poderá solicitar a quebra de sigilo e realizar busca e apreensão. Além de armazenar, o compartilhamento agrava a pena.
- Aceitar Convites para Pastas em Nuvem: Aceitar convites para pastas em nuvem (Google Drive, Dropbox, etc.) de desconhecidos pode expor o usuário a conteúdo ilícito. Essas empresas monitoram os ambientes, comunicam as autoridades e encerram contas, levando à investigação.
- Comprar Dispositivos Usados sem Formatação Segura: Comprar celular, computador ou HD usado e não formatá-lo de forma segura é um erro grave. O dispositivo pode estar baixando conteúdo ilegal, ter sido usado para botnet ou estar associado a crimes anteriores. Dados podem ser recuperados e vincular o novo proprietário a atividades criminosas. Recomenda-se wipe seguro, reinstalação do sistema e posse de notas fiscais.
- Comprar Software Modificado ou Pirata: Adquirir software, games ou aplicativos modificados (crackers) de revendedores que não são fabricantes pode significar comprar software pirata. Além de comprometer a segurança, esses programas podem ser usados como botnetes para fraudes ou para subverter restrições de jogos, e o IP do comprador será rastreado. Mesmo alegando desconhecimento, o comprador pode ser responsabilizado criminalmente por pirataria.
- TV Boxes Ilegais: Usar dispositivos TV Box que acessam listas ilegais (IPTVs piratas) e reproduzem conteúdo sem licença é crime de telecomunicação. A ANATEL monitora essas atividades, e o uso pode resultar em buscas e apreensões e responsabilização criminal.
3. A Responsabilidade pelo Conteúdo Compartilhado e Participação em Grupos
A participação em comunidades online e o repasse de informações também carregam riscos legais:
- Participar de Grupos Ilícitos: Participar de grupos (WhatsApp, Telegram, Discord) onde há compartilhamento de conteúdo ilícito (como divulgação de conteúdo íntimo ou pirataria) coloca o usuário na mira das investigações, mesmo que ele não tenha sido o postador original.
- Repassar Prints/Arquivos sem Verificar: Repassar prints ou arquivos, mesmo que com a intenção de denunciar, pode gerar responsabilidade, especialmente se envolver material ilícito (devido ao hash) ou dados pessoais (violando a LGPD).
- Baixar Apps Fora das Lojas Oficiais: Aplicativos baixados fora das lojas oficiais (sem checagem de selo) não apenas roubam dados, mas podem transformar o celular em um dispositivo de ataque.
4. Uso de Tecnologias Emergentes e Finanças
A ascensão de novas tecnologias e métodos de pagamento exigem cautela redobrada:
- Colar Dados Confidenciais em IAs: Colar dados confidenciais (segredos empresariais, imagens íntimas, dados sensíveis) em IAs públicas sem política de segurança adequada pode gerar vazamento e responsabilidade civil, trabalhista e criminal. Deve-se notar que a maioria das IAs reporta conteúdo às autoridades, e pode haver erro de interpretação de um tema sensível, gerando investigações. O criador do Chat GPT, por exemplo, já declarou que colabora com as ordens judiciais.
- Armazenar Dados Sensíveis de Terceiros sem Proteção: Guardar dados sensíveis de terceiros (saúde, financeiros) sem proteção adequada, resultando em vazamento, pode levar a pedidos de reparação civil e, em alguns casos, responsabilidade criminal.
- Receber Criptoativos de Desconhecidos: Aceitar depósito ou criptoativos sem checar a origem pode ligar a carteira do usuário a estelionato e lavagem de dinheiro. Criminosos cibernéticos tentam converter dinheiro de crime via P2P, e o usuário pode se tornar parte dessa cadeia de lavagem. É fundamental documentar tudo.
- Uso Indevido do MED: Utilizar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), que é para fraudes, para cancelar um desacordo comercial ou arrependimento (em vez de usar o Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor) pode ser interpretado como malícia e fraude, caracterizando crime de estelionato ou fraude.
5. Configuração de Dispositivos e Acesso Remoto
A facilidade da conexão remota e a revenda de equipamentos também são fontes de risco:
- Repassar/Revender Dispositivos Pré-configurados: Vender ou usar equipamentos novos sem limpar e validar pode significar que o dispositivo já veio previamente comprometido, contendo um backdoor que permite a conexão. O usuário pode se envolver em um grande esquema criminoso vinculado ao aparelho.
- Dar Acesso Remoto (TeamViewer/AnyDesk): Dar acesso remoto a dispositivos (via TeamViewer, AnyDesk, terminal server) para terceiros (que não seja para manutenção corporativa) é extremamente perigoso. Criminosos podem usar o acesso para instalar conteúdo ilícito, vazar informações ou realizar transações (usando a conexão e rastreio da vítima).
Conclusão: Conscientização e Cuidado
A investigação forense e a quebra de sigilo sempre rastrearão a conexão e os dados de registro de acesso, gerando uma dor de cabeça "grande e normalmente custosa" para o indivíduo. A linha entre a desinformação e a responsabilização é tênue.
É imperativo que os usuários aumentem a consciência sobre esses erros, pois sistemas de monitoramento e peritos estão ativos. A defesa em processos que podem durar anos, baseada em dados fornecidos pelos serviços de internet e conexão, é notoriamente difícil. A reflexão sobre esses 17 erros é essencial para garantir que o uso da tecnologia não resulte em riscos jurídicos, inclusive na esfera criminal.
