A trajetória de Carlos Massa, o Ratinho, conforme revelado em um recente trecho de vídeo, oferece uma rica fonte de reflexão sobre os bastidores da televisão brasileira, o empreendedorismo e a complexa relação entre o conteúdo midiático e seu público. A narrativa de Ratinho se desdobra como um testemunho da importância do conhecimento do mercado e da audácia em desafiar o status quo.
O Vendedor Nato e a Visão Autodidata
Desde cedo, Ratinho se identifica como um vendedor nato, alguém que "gosta de vender" e que "qualquer coisa que me dê para vender se eu gostar do produto eu vou vender". Essa característica fundamental o impulsionou de engraxate, que inovou ao ir à casa dos clientes durante a semana para fidelizá-los, a um apresentador de televisão com um programa que, diferentemente de outros, não tem dificuldade de venda de patrocínio, com "todos os mechandages vendidos até dezembro".
Sua incursão inicial na televisão, em um momento de desconfiança por parte dos patrocinadores tradicionais, revela sua capacidade de inovar. Ao invés de aceitar as recusas, Ratinho propôs um modelo de negócio arriscado: garantir a venda de lotes de um loteamento em troca de comissão, usando seu próprio telefone para anunciar e vendendo "3.000 lotes em um mês". Esse episódio sublinha sua confiança no próprio poder de influência e venda, operando sempre "no risco". Essa abordagem é tão intrínseca ao seu método que, ainda hoje, o arranjo com o SBT para seu programa é de 50% para cada um, após Ratinho arcar com todos os custos. Ele foi, de certa forma, um "influenciador" antes mesmo do termo se popularizar.
Enfrentando a Publicidade e Criando o Próprio Caminho
Um dos pontos mais perspicazes de sua reflexão é a crítica ao universo da publicidade tradicional. Ratinho percebeu que grandes anunciantes fugiam de seu programa devido ao seu estilo considerado "maluquice". A solução foi se tornar seu próprio anunciante, criando produtos como a ração Foster e ganhando dinheiro com eles, pois "sabia que vendia".
Ele descreve a cultura publicitária, especialmente em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, como um ambiente onde "ganhar prêmio" parece ser mais importante do que efetivamente vender. Ratinho se posiciona como alguém que não "faz média com publicitário", mas que, ao mesmo tempo, cuida muito bem quando um o procura. Essa postura, embora lhe custe ser "queridinho dos publicitários", não afeta sua capacidade de venda, pois ele foca no que seu público realmente compra.
O Entendimento Profundo do "Público Popular"
A chave do sucesso comercial de Ratinho reside no seu profundo entendimento de seu público-alvo. Ele descreve seu público como "muito popular", o "público C para baixo", que "vê televisão". Diferentemente dos publicitários que propõem campanhas de "lacração" ou "cabelo rosa" que não dialogam com a realidade de seu público, Ratinho sabe exatamente o que eles compram: "Ração eu vendo bem, supermercado, Atacadão por exemplo é uma marca que tá comigo faz 12 anos nunca deixou de me patrocinar". Sua experiência com a Caixa Econômica Federal é exemplar: ao falar "a linguagem daquela pessoa da poupança", Ratinho gerou um "resultado fabuloso" para o banco, mesmo que os publicitários não valorizem essa abordagem. Ele reconhece que não venderia perfume para seu público, mas sim franquias do produto, pois é isso que eles compram.
O Brasil Conservador e a Resistência Cultural na Mídia
Outro ponto crucial levantado é a percepção de que o povo brasileiro é, em sua maioria, conservador. Ratinho argumenta que, embora seja "tolerante" com conteúdos que não o agradam, como a imposição de certas pautas pela televisão (citando a Globo como exemplo), ele "não gosta daquilo". A retomada de novelas clássicas e de cunho mais conservador, como Tieta, e seu grande sucesso, é vista como uma prova de que a preferência do público não é levada em conta pelos produtores e diretores, que muitas vezes só percebem a realidade através de pesquisas tardias.
Essa desconexão também é evidenciada na crítica ao cinema nacional, onde, na visão de Ratinho, "o mocinho morre no final" ou as histórias terminam de forma insatisfatória para o público, ao contrário dos filmes americanos onde o herói sempre vence. A referência a Mazaroppi, que "sempre terminava bem" e falava verdades "politicamente naquela época", ressalta a saudade de um cinema que dialogue mais diretamente com os valores e expectativas populares.
Os Desafios do Cinema e a Luta Contra "Máfias"
Apesar de seu desejo de atuar como produtor executivo no cinema e "ganhar dinheiro com o cinema", Ratinho revela ter desistido do projeto. O motivo é contundente: "existe uma máfia muito grande" no cinema brasileiro, o que impede a distribuição e sucesso de produções que não se encaixem nos moldes estabelecidos. Ele percebe que, mesmo com a internet e o streaming, as plataformas ainda são dominadas pelas mesmas figuras do cinema tradicional, dificultando a venda de um produto que não seja de seu agrado.
Em suma, a conversa com Ratinho é um convite à reflexão sobre a importância da autenticidade e do foco no cliente para o sucesso em qualquer área, especialmente na mídia. Sua jornada demonstra que, mesmo em um cenário dominado por grandes corporações e culturas estabelecidas, a visão empreendedora, a capacidade de venda e o profundo conhecimento do público podem ser as maiores armas para construir um império e ditar as próprias regras do jogo. A lição é clara: vender é mais do que anunciar; é entender e entregar o que o público realmente quer e compra.