O Rito do Impeachment de Ministros do STF

 



O Rito do Impeachment de Ministros do STF: Um Manual para a Ação no Senado Federal

A discussão sobre o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a de Alexandre de Moraes, tem ganhado proeminência devido a decisões judiciais que, segundo críticos, configuram abuso de autoridade e violação de direitos fundamentais. A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, decretada por Moraes, é citada como um exemplo de medida "totalmente antijurídica, abusiva e criminosa", sem respaldo no direito brasileiro ou na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tal medida, que impôs cautelares "sem efeito jurídico" por sua suposta nulidade, opacidade e contradição, é vista como parte de uma perseguição política.

A Base das Acusações e a Commoção Nacional

As críticas às decisões do Ministro Alexandre de Moraes e de outros ministros do STF baseiam-se em vários pontos:

   Abuso de Autoridade e Violação de Direitos: A alegação central é que a prisão domiciliar de Bolsonaro e outras ações violam direitos e garantias fundamentais, como a liberdade de discurso e o devido processo legal. É argumentado que o Código Penal, em seu artigo 359K, parágrafo 4º, garante que não constitui crime compartilhar documentos ou fazer campanhas contra crimes de autoridades ou violações de direitos fundamentais.
   Vício InSanável no Processo: No caso das denúncias relacionadas aos eventos de 8 de janeiro, onde Bolsonaro e cerca de 2000 brasileiros estão implicados, há uma alegação de que o devido processo legal não foi respeitado. Um exemplo citado é a suposta perda de prazo para a denúncia por parte do Procurador-Geral da República (PGR). De acordo com a Lei 8.038 de 1990, que regulamenta processos criminais no STF, o PGR teria prazos específicos para oferecer a denúncia após receber o relatório da Polícia Federal (5 dias úteis se houver investigados presos, ou 15 dias úteis se não houver). No entanto, a denúncia de Bolsonaro, entregue em 26 de novembro de 2024, só teria sido apresentada ao STF em 18 de fevereiro de 2025, perdendo o prazo legal. Mesmo com este "vício insanável", o STF teria ignorado a lei.
   Perseguição Política: As ações são interpretadas como perseguição política, especialmente em relação ao filho de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, que estaria exercendo um direito legítimo ao denunciar abusos de autoridade nos Estados Unidos.

A decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro gerou grande comoção nacional, com manifestações em diversas cidades pedindo o impeachment de Alexandre de Moraes. Senadores, em resposta a esse clamor, têm ocupado a mesa do Senado e obstruído os trabalhos, prometendo continuar até que uma comissão de impeachment para o ministro seja instaurada e se comece a discutir anistia para os "presos políticos e perseguidos políticos do 8 de janeiro".

O Impeachment de Ministros do STF: O Rito Legal

O processo de impeachment de ministros do STF é regido por um conjunto específico de leis e normas, que foram detalhadas para desmistificar a ideia de que um grande número de assinaturas é necessário para iniciar o procedimento.

1.  Lei dos Crimes de Responsabilidade: A Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, estabelece os crimes de responsabilidade e o rito processual para o impeachment. Esta lei foi recepcionada pela Constituição de 1988, e sua validade foi reafirmada pelo próprio Supremo Tribunal Federal em 2016, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378. O STF reconheceu a recepção constitucional da lei, excetuando apenas alguns dispositivos (artigos 23, parágrafos 1º, 4º, 5º, a primeira parte do artigo 23, e o artigo 81), mantendo a constitucionalidade dos demais.
2.  Competência Privativa do Senado Federal: A Constituição de 1988 reafirma que compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar os Ministros do STF nos crimes de responsabilidade.
3.  Entendimentos do STF (ADPF 378/2016): O acórdão da ADPF 378 estabeleceu pontos cruciais sobre o rito do impeachment no Senado:
       Na ausência de regras específicas sobre as etapas iniciais no Senado, aplicam-se as regras da Lei 1.079/1950.
       A instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples a partir do parecer de uma comissão especial.
       A Mesa do Senado não pode rejeitar sumariamente uma denúncia de impeachment por decisão irrecorrível.
       Todas as votações em todas as etapas são abertas.
       O Presidente do Senado não pode alterar o rito processual por analogia ao regimento interno da Câmara dos Deputados, onde o presidente tem grande poder de arquivamento.
       O preceito constitucional fala em "processar", não em "analisar a instauração ou o recebimento" da denúncia. Isso significa que, uma vez protocolada a denúncia, o Presidente do Senado tem a obrigação de dar prosseguimento, e não o poder de decidir se o processo será iniciado ou não. A não observância dessa obrigação pode configurar crime de prevaricação.
4.  Regimento Interno do Senado (RISF): O próprio RISF incorpora a Lei 1.079/1950. O artigo 380, inciso II, estabelece que, recebida a denúncia, "na mesma sessão em que se fizer a leitura será eleita a comissão constituída por 1/4 da composição do Senado". O artigo 382 ainda determina: "Aplicar-se-á no que couber o disposto da Lei 1079 de 1950".

Crimes de Responsabilidade dos Ministros do STF (Lei 1079/1950, Artigo 39)

São considerados crimes de responsabilidade, passíveis de impeachment:

   Proferir julgamento quando, por lei, for suspeito na causa. Exemplos dados incluem Barroso ("vencemos o bolsonarismo"), Alexandre de Moraes, Flávio Dino (que teria chamado Bolsonaro de "diabo"), e Cristiano Zanin.
   Exercer atividade político-partidária.
   Ser patentemente desidioso, ou seja, negligente, relaxado, sem atenção ou prudência no cumprimento dos deveres do cargo. Erros de português em decisões são citados como um exemplo que poderia se enquadrar.
   Proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções. Um ministro do STF dar entrevista, como Alexandre de Moraes teria feito para o Globo, é citado como exemplo.

Qualquer cidadão pode denunciar os ministros do STF ao Senado Federal por esses crimes. A denúncia só pode ser recebida enquanto o ministro estiver no cargo.

O Rito Processual Detalhado para o Impeachment

O processo, conforme a Lei 1.079/1950 e o Regimento Interno do Senado, segue os seguintes passos:

1.  Protocolo da Denúncia: A denúncia por crime de responsabilidade é protocolada na Mesa do Senado.
2.  Leitura e Instauração da Comissão Especial: Na primeira sessão seguinte ao protocolo, é obrigatório que a denúncia seja lida e que, conjuntamente, seja instaurada uma comissão especial. A não realização dessas etapas constitui crime de prevaricação por parte da Mesa ou do Presidente do Senado.
3.  Comissão Especial:
       A comissão, eleita com um quarto da composição do Senado, deve reunir-se em 48 horas para eleger seu presidente e relator.
       Tem um prazo de 10 dias (ou 12 dias a partir da leitura da denúncia) para emitir um parecer sobre a admissibilidade da denúncia, ou seja, se o processo deve prosseguir. Durante este período, pode realizar diligências.
4.  Votação de Admissibilidade (Maioria Simples):
       O parecer da comissão é lido na sessão seguinte à sua entrega e distribuído aos senadores.
       É submetido a discussão e votação nominal (aberta).
       Para que o processo de impeachment continue, é necessária a maioria simples (41 senadores) dos votos. Se o parecer recomendar o prosseguimento e obtiver 41 votos, o processo inicia. Se o parecer recomendar o arquivamento e não obtiver 41 votos, o processo também continua, pois o parecer de não prosseguimento foi rejeitado. Neste momento, o ministro ainda não é afastado do cargo.
5.  Defesa Preliminar do Ministro:
       Após a aprovação do processo, o ministro é notificado em até 10 dias.
       O ministro tem 10 dias para apresentar sua defesa preliminar.
6.  Novo Parecer da Comissão e Nova Votação de Admissibilidade:
       A comissão especial elabora um novo parecer, considerando a defesa (ou sua ausência).
       Este novo parecer deve ser incluído na ordem do dia em 48 horas, lido, discutido e votado novamente por maioria simples (41 senadores) para decidir se as condições para a continuidade do processo subsistem.
7.  Acusação Formal e Defesa Final:
       Se aprovado, o ministro é imediatamente intimado.
       Em 48 horas, a comissão, junto com os denunciantes, deve elaborar a peça formal de acusação definitiva.
       Após a acusação, o ministro tem 48 horas para apresentar sua defesa final.
8.  Julgamento Final (Maioria Qualificada):
       É designada imediatamente a data do julgamento.
       A sentença condenatória só pode ser proferida pelo voto de 2/3 dos membros do Senado (54 senadores).
       A condenação implica na perda do cargo e inabilitação por 8 anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo de outras sanções judiciais.

Conclusão e Chamado à Ação

Fica claro que a alegação de que são necessárias 41 assinaturas para dar início ao processo é um equívoco. Embora simbolicamente importante, basta que um único senador protocole a denúncia na Mesa do Senado e cobre o cumprimento da lei e do regimento para que o procedimento seja iniciado. A Mesa e o Presidente do Senado não têm poder para barrar sumariamente a denúncia; eles têm a obrigação legal de processá-la, sob pena de prevaricação.

A mensagem final é um apelo à ação, conclamando os senadores a não prevaricarem e a darem prosseguimento ao processo de impeachment de Alexandre de Moraes, que, segundo os argumentos apresentados, já deveria ter sido instaurado há muito tempo.


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