O Jumento de Ouro e a Reflexão sobre a Ignorância na Internet

 




O cenário digital, repleto de informações e debates, por vezes revela um lado preocupante: a proliferação de comentários que, por sua falta de base ou contradição com a realidade, chamam a atenção. É nesse contexto que a criadora de conteúdo Nanda Guardian instituiu uma premiação singular em seu canal: o "Jumento de Ouro". Este prêmio, simbolizado por um jumento decorativo que será transformado em dourado, será concedido ao autor do comentário mais "burro" encontrado na internet, seja em suas próprias redes sociais, notícias ou em qualquer outro lugar.

O vídeo em questão funciona como uma fase preliminar da premiação, onde Nanda analisou dez comentários considerados os mais "burros". A ideia é que os "vencedores" dessas fases preliminares avancem para a próxima etapa, com a participação democrática da audiência, que é incentivada a comentar quem, dentre os dez apresentados, seria o merecedor do "Jumento de Ouro", e também a marcar a @nandaguardia sempre que encontrarem um comentário "muito burro".

A análise dos comentários selecionados por Nanda serve como um espelho de diversas concepções equivocadas que circulam online. Vejamos alguns dos principais pontos levantados:

   A Falácia da Soberania Doméstica vs. Leis Internacionais: Um dos comentários mais destacados defendeu que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro poderia proteger Alexandre de Moraes da Lei Magnitsky dos EUA, permitindo-lhe usufruir de serviços de empresas americanas. Nanda refutou veementemente essa ideia, explicando que a Lei Magnitsky é uma norma de sanção internacional que impõe bloqueio de bens e proibição de entrada por corrupção ou violações de direitos humanos. Em contraste, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regula vendas e fornecedores em âmbito local, não tendo nenhuma relevância sobre sanções internacionais ou instituições americanas. Essa confusão entre políticas locais e externas dos EUA, onde empresas americanas seguem regras americanas, é apontada como uma grande pretensão e um forte candidato ao prêmio.

   O Risco da Conversibilidade Ignorado no Investimento: Outro comentário "jumento de ouro" sugeria mover dinheiro para o Brasil devido à alta taxa de juros de 15%, prevendo um "boom" econômico. Nanda criticou essa visão simplista, apontando que se a única métrica fosse juros altos, investir na Turquia (com 43%) faria mais sentido. A principal questão desconsiderada, segundo ela, é o risco de conversibilidade: a dificuldade de converter a moeda brasileira para uma moeda mais forte, como o dólar americano, devido a decisões governamentais (como o aumento do IOF) ou a uma possível saída do Brasil do sistema Swift. Ela enfatiza a importância de proteger parte do dinheiro fora do país.

   A "Soberania" Seletiva e a Economia Americana: Comentários que exaltavam a "soberania" brasileira em relação às tarifas de Trump, enquanto ignoravam exceções em setores estratégicos e o alinhamento com a China, também foram alvo de crítica. Nanda questiona o que significa "soberania" quando ela é aplicada apenas em relação à América, e não à China, sugerindo que o Brasil se comporta como uma "colônia chinesa". Ela também desmascara a hipocrisia de defender o boicote a empresas americanas, enquanto a economia dos EUA é demonstradamente superior em termos de quantidade de empresas, diversidade de instituições e liberdade do consumidor.

   O Erro do PIB Nominal como Indicador de Riqueza: A crença de que o Brasil é a nona economia do mundo baseada no Produto Interno Bruto (PIB) nominal é outra "jumentice" destacada. Nanda explicou que o PIB nominal não é uma medida adequada de riqueza e desenvolvimento de um país, pois pode ser distorcido pelo consumo (especialmente com estímulo de crédito) e não reflete necessariamente um aumento efetivo de riqueza. A métrica mais correta, ela aponta, é o PIB per capita, que sim, mostra o nível médio de riqueza e bem-estar da população. O exemplo da Índia, com um PIB nominal enorme mas um PIB per capita muito mais baixo que o da Suíça, ilustra bem essa distorção.

   A Falácia da Moeda e a Hegemonia do Dólar: Uma ideia particularmente "jumenta" foi a de que a moeda brasileira é valiosa porque se precisa de R$5 e poucos para comprar um dólar. Nanda esclareceu que a lógica é exatamente o oposto: quanto maior o número de moedas locais necessárias para comprar dólar, menos essa moeda vale. Além disso, ela reforçou que o dólar é a moeda de referência global, utilizada em 50% das transações mundiais, e que a ideia de desdolarização é "papo de esquerdista". Ela citou a tese da força do dólar no mercado de títulos e a estrutura de garantia em dólar, resumindo com a frase de Sérgio, presidente do MIS: "o dólar é a camisa menos suja do tanque de roupa suja".

   A Lei Magnitsky em Detalhe: Além dos Bens Físicos: Por fim, a repetição da crença de que a Lei Magnitsky não afetaria pessoas como Alexandre de Moraes por não possuírem contas ou bens nos Estados Unidos foi extensivamente criticada. Nanda explicou que a Lei Magnitsky considera todas as operações financeiras em dólar, o que significa que qualquer relação com os Estados Unidos, como assinaturas de Netflix ou uso de cartões de crédito/débito, implica que o indivíduo está "literalmente expulso" e sendo tratado "como um terrorista". A falta de pesquisa básica, acessível com ferramentas como Google ou ChatGPT, para entender a amplitude da lei, foi um ponto de indignação.

A iniciativa do "Jumento de Ouro" de Nanda Guardian, embora com um tom humorístico e provocativo, cumpre um papel importante ao destacar a desinformação e a falta de raciocínio crítico que permeiam muitos comentários online. Ao desconstruir cada "jumentice" com argumentos lógicos e informações factuais, o vídeo oferece uma oportunidade de reflexão sobre a importância da educação financeira, do conhecimento geopolítico e da capacidade de discernir informações válidas em meio a um mar de opiniões infundadas. A premiação é, em essência, um convite à audiência para pensar criticamente e se informar melhor, participando ativamente na identificação e combate à ignorância nas redes.


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